(não deixou amigos)
Desde 1920 a GE (General Eletric) tinha um parque industrial de porte razoável no Rio de Janeiro, com fábricas de lâmpadas, de quadros elétricos, de transformadores, geradores, locomotivas, turbinas de aviões, etc. com diversos “campus” fabris espalhados.
A GE também foi precursora em estimular a inclusão da diversidade e oportunidades de ascensão em seus quadros (nos EUA e aqui). Por lá passaram notórios e destacados engenheiros, independente de cor e opções.
Na direção havia uma certa mistura de americanos e brasileiros, mas não sei bem qual o critério usado na seleção e promoção de pessoal em geral e de dirigentes, em especial, pelo departamento de RH (Recursos Humanos).
Resulta que, por volta de 1975 ascendeu a uma diretoria no Brasil um engenheiro de nome Chaves.
Era daquele tipo que cuida em impressionar os outros como a competência em pessoa. Até tocar um instrumento musical (órgão) para posar de erudito tinha se dado ao trabalho. Mas era mesmo um leitor de livros de bolso: “Como Negociar Contratos”, “Como Comandar Pessoas”, “Como Apresentar Resultados e Impressionar os Acionistas”. Cultivava parecer um homem frio, de poucas palavras e poucos amigos.
Quanto a fazer o que precisava ser feito, era outra questão. Nas reuniões falava baixo para que todos tentando ouvi-lo, parecessem prestar muita atenção. E também porque, ao não ouvi-lo bem, sempre pudesse dizer que não falou aquilo ou foi mal entendido. Sorrir? Nunca! Parecia não confiar em ninguém, quando se aproximava dos colegas mantinha sempre uma certa distância para não criar intimidades, dava a impressão de que todos os movimentos eram estudados, até para ir ao banheiro.
Quando assumiu a administração das instalações fabris, chegou espalhando ordens, tensão e arrogância a torto e a direito
Começou implicando com a SPLJ, empresa que prestava os serviços, terceirizados de “Segurança Patrimonial Limpeza & Jardinagem”, aí incluído o “Controle de Pragas” (Insetos, Ratos). Parece que muito da motivação na implicância era porque não simpatizava e desconfiava de seu antecessor no cargo, justo quem tinha contratado a tal SPLJ e que tinha sido promovido para o cargo almejado pelo Chaves.
Após um tempo sem conseguir encontrar nenhuma brecha que justificasse a troca da SPLJ, para demonstrar que implicância e razão não convivem na mesma pessoa, começou a procurar demonstrar que podia administrar melhor. Daí a discordar dos custos do controle de vetores: ratos e insetos, foi um pulo.
Qualquer desratização deve ser precedida de forte aplicação de inseticidas para matar as pulgas nos ratos. Se matar primeiro os ratos as pulgas pulam fora dos ratos e vão para outros animais e o homem, podendo provocar pestes bubônicas. Por isso o custo mais elevado. Mas ninguém ousou explicar a êle.
Na primeira oportunidade, Chaves cortou a verba da desratização e mandou soltar uns gatos na fábrica, não sem antes cuidar da saúde dos bichanos: vacinados, etc. Solução ecológica e ambientalmente sustentável (±1975) precursora das bobagens que na época se iniciavam e hoje atraem tanta gente.
Decorrido um ano, a criação de gatos nas fábricas e seus entornos havia proliferado de tal forma que começou a ser notada por todos e a criar problemas complicados, com gatos entrando em máquinas operatrizes e lá sendo triturados, cocô de gato por todo lado, enfim, um certo caos.
Quando um americano que ficava no escritório central no centro do Rio levou outro americano de passagem, com a esposa, para ver uma das fábricas e a esposa resolveu adotar dois gatinhos, entre as centenas que viu, a coisa encrencou de vez. Como o visitante não queria saber de “pets” mas não queria brigar com a mulher, passou a ironizar as fábricas, dizendo que no Brasil a GE se dedicava a “cat’s nursery”, gozação que chegou aos EUA e o presidente da GE daqui não gostou, pedindo providencias imediatas.
O Chaves não se acusou como responsável e pediu providencias imediatas à SPLJ para acabar com os gatos.
O encarregado da SPLJ, o Tomás, era um negro de uns 1,90m, oriundo da Policia Militar (coronel reformado), que andava sempre armado e com dois guarda costas armados mas que, fora isso, era uma pessoa boa e crédula, recebeu a ordem e, na melhor das intenções, cumpriu ao pé da letra: mandou comprar uns dez cachorros para cada fabrica e deu início a uma nova criação.
As coisas complicaram porque, embora de início os gatos se escondessem e os cachorros não fossem muitos, rapidamente houve algum tipo de acordo feli-canino para convívio pacífico e as fábricas rapidamente passaram a ter centenas de cachorros e centenas de gatos (perguntei e me responderam que parece que os ratos sumiram).
O Chaves entendeu como ironia do Tomás e passou a persegui-lo, até que, prevendo alguma bobagem de parte-a-parte, alguém com bom senso, resolveu, digamos “liberar” o Chaves da GE (e a GE do Chaves).
Quando o Chaves saiu da GE, algum head-hunter o “vendeu” para a IESA (já da montreal) e, rapidamente, as situações foram se repetindo. Mas ambiente de firma de engenharia de projetos, não é bem o de fábrica. Ali ninguém era bobo, inclusive o Chaves. Rapidamente se percebeu que o novo colega não tinha nada a acrescentar, e o jogo que fazia. O Chaves precisou recrudescer seus métodos mas não deu certo e as coisas iam de mal a pior até que algum colega, inconseqüente e mau caráter (porque por mais que o outro merecesse, isso não se faz), resolveu trazer uma série de brindes de motel caixa de fósforos, pente, guardanapo, sei lá o que mais e, discretamente, sem ninguém ver, colocou no bolso do paletó do Chaves. A mulher do chaves achou as gracinhas em casa.
A confusão foi grande o Chaves foi afastado (ou afastou-se), nunca se soube exatamente e o suspeito da gracinha, um colega de meia-idade também saiu ou foi “saído”.
O Chaves era tão tenso que era tenso com ele mesmo. Acabou morrendo cedo, ao que soube, com menos de 55 anos. Não deixou amigos.
Miguel Fernández y Fernández,
engenheiro consultor e cronista, mai2023
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