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Jantar de Represália

Foto do escritor: Miguel Fernández Miguel Fernández

Eu tinha mais ou menos 12 anos quando ouvi essa:

Pra quem não sabe, na década de 50 o Brasil era governado por Getulio Dornelles Vargas, caudilho gaúcho e a Argentina por Juan Domingo Perón, caudilho dos pampas.  Em ambos países, o futebol era coisa muito séria.  A tradicional rivalidade entre os vizinhos, normalmente no campo do folclore, às vezes desviava para as “vias de fato”.

As confusões em campo e nos arredores, tanto em Buenos Aires quanto no Rio de Janeiro foram muitas.  Os governantes resolveram proibir jogos entre clubes ou entre seleções.

Durante dois anos assim foi, até que a imprensa entrou em campo e, com o patrocínio dos dois caudilhos marcaram-se dois jogos “amistosos” ou seja não valiam nada, nem campeonatos nem taças, n-a-d-a.

O primeiro jogo seria no Rio, o segundo em Buenos Aires.

Tudo precedido por maciça propaganda de amizade, fraternidade, etc com nossos vizinhos e “Hermanos”

Terminado o primeiro jogo, que em se tratando de partida amistosa de reatamento de laços, terminou previsivelmente empatada e a associação dos jornalistas brasileiros havia programado um jantar de confraternização entre os jornalistas brasileiros e os argentinos, na então famosa Churrascaria Gaúcha, na Rua das Laranjeiras, onde, embora decadente, se encontra até hoje em dia (era frequentada pelo Getúlio Vargas).

Ao final do jantar, um jornalista argentino subiu numa cadeira, bateu com um talher em um casco de garrafa, obteve silencio e fez um breve discurso de agradecimento aos brasileiros e enalteceu a necessária convivência pacifica e civilizada entre os hermanos latino-americanos.  Foi aplaudido por todos e a etapa brasileira foi encerrada com sucesso.

Na semana seguinte, o jogo foi em Buenos Aires e tudo transcorreu conforme previsto e combinado, resultando novo empate, sem violência no campo nem arredores, brasileiros e argentinos se tratando de “Hermanos” como a imprensa propagandeara e doutrinara (dizem as más línguas que o tratamento ficou sendo “irmãos” e não “amigos” porque parente não se escolhe).

Então, após o termino da partida, todos os jornalistas brasileiros, foram convidados a jantar em um dos melhores restaurantes de Buenos Aires, com os jornalistas argentinos, retribuindo o jantar no Rio de Janeiro.

Foi servida uma feijoada caprichada, com caipirinhas e tudo.

Ao término, como ninguém se apresentasse para dizer algumas palavras de agradecimento, como fizera um argentino no Rio, os brasileiros presentes nomearam o jornalista João Saldanha, até porque ele falava “portenho” ou pelo menos “gauchês”.

João Saldanha, gaúcho de nascimento e com alma carioca, para quem não sabe, escrevia sobre esportes no jornal carioca “O Globo”. Também era conhecido fanático torcedor do Botafogo, filiado ao Partido Comunista Brasileiro e pessoa bastante famosa (chegou a técnico da seleção brasileira de 1970 tendo sido afastado e substituído pelo Zagalo, diz-se que porque não quis escalar o centro-avante Dario, o Dadá conforme teria sugerido o então presidente brasileiro General Emilio Garrastazu Médici...

Mas, voltando a 1954, em Buenos Aires, no fim da feijoada no restaurante-bacana, o Saldanha é empurrado para cima da cadeira-palco e tem que improvisar:

       — Amigos e amigas, estamos muito gratos pela calorosa acolhida e simpatia, entretanto quero sugerir que acabemos com estes almoços ou jantares de represália e de hoje em diante se sirva churrasco em Buenos Aires e feijoada no Rio de Janeiro, caso contrario ficaremos comendo os piores churrascos e as piores feijoadas possíveis.

                Foi apoiado por todos e longamente ovacionado, adquirindo, desde então, fama de grande sábio.


PS:  sempre que, viajando, alguém sugere ir a um restaurante não local, lembro-me desta lição do grande Saldanha.  Afinal, ir a Nova York e ajudar a lotar os restaurantes brasileiros da rua 47 e adjacências, ou um americano chegar por aqui e não sair dos McDonalds ou FriedChicken é muita falta do que fazer.

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