Escola de Engenharia da UFRJ, 1969, turma do 4º ano civil. Havia muitos alunos de outros estados. Fiz amizade com Manuel Castelar Pinheiro Neto, cearense, bom aluno, simpático, cativante, sempre bem acompanhado, alugou um apartamento na Rua Farani em Botafogo, a 1km da minha casa mais ou menos.
Havia um segundo cearense, o Sérgio (Sesé), que alugara um apartamento no Bairro Peixoto, em Copacabana.
Lá pelo fim do ano, marcamos os três de estudar para uma prova no “apê” do Castelar e, ao terminarmos, por volta das 21:30h o Castelar resolveu levar o Sesé no Bairro Peixoto e me deixaria em casa na volta usando o fusca branco que ele tinha. Castelar e Sesé na frente, eu atrás. Ao chegarmos na pracinha central do Bairro Peixoto, nos deparamos com uma cena inusitada: um cadáver no meio do asfalto, coberto com jornais e umas 4 velas acesas em torno, bastantes pessoas nas calçadas observando.
A posição do cadáver não chegava a impedir a passagem mas quase. Talvez por isso, preferiu-se parar antes e ir assuntar. Ao perguntarmos o que houvera, nos explicaram que era um rapaz novo por ali, que havia sido atropelado e morrera ao bater com a cabeça no chão.
O Sesé se preocupou imediatamente pois um irmão dele havia chagado fazia uma semana ao Rio e foi com o Castelar levantar a pontinha do jornal para ver o rosto do cadáver. Nisso, o “cadáver” levantou os braços gritando. Eu que estava mais atrás, fiquei gelado com o susto. Sesé “congelou”, Castelar ficou sem fala. Todo mundo ria. Começamos a rir também entre nervosos e para disfarçar (naquela época não se dizia “pagar mico”, era “vexame” mesmo).
Então, a turminha do Bairro Peixoto, disse que era a vez do Sesé deitar para a bricadeira continuar. Deita-se o Sesé, recolocam-se os jornais, reacendem-se as velas e o cenário volta a 20 minutos antes. Nisso vem duas senhoras de idade e vão querer olhar quem era a “vitima” mas são impedidas por uma senhora. Em pouco tempo chega um carro da PM (polícia militar, naquele tempo andavam em duplas, apelidadas de Cosme e Damião. Saem os dois PMs do fusca e fica-se na dúvida de como eles entram no fusca pois eram dois homens grandes. Um branco e um negro (na época seria preto). Ambos se dirigem rapidamente ao cadáver e levantam a pontinha do jornal. Não houve tempo para reagirmos (embora o Sesé nos acuse de termos sido sádicos) . O Sesé grita levantando os braços, igual vira o anterior fazer. Os PMs congelam, o branco fica preto e o preto fica branco (se me confundi, me desculpem, botem todo mundo “lívido” que me parece uma palavra erudita e adequada). Todo mundo começa a rir, eles se recuperam, prendem o Sesé e tocam para a delegacia. Nós atrás no fusca do Castelar.
Chegamos na delegacia da Rua Hilário de Gouvêa (Policia Civil) o carrinho da PM para na porta, nós atrás, paramos, descemos e entramos junto querendo mostrar solidariedade (para acalmar o Sesé que estava nos acusando de conivência por não termos impedido os policiais de levar aquele susto).
Seriam umas 23:30h. Na mesa do delegado não havia ninguém e, pelos comentários ficamos na dúvida se o Delegado estava dormindo ou tinha saído para jantar ou namorar. Mas em pouco tempo apareceu o Delegado. Pela cara, interrompemos uma das três alternativas, talvez uma das duas primeiras pois foi muito rápido para a terceira, a menos que, coincidentemente, ele já estivesse vindo...
O Delegado dispensava apresentações pois tinha uma “cara de delegado de polícia” onde quer que fosse, em qualquer país ou rincão. Os PMs se apressaram em querer registrar a “ocorrência”, e deixar o preso na delegacia. Começaram a contar a história.
O delegado sentou-se ou melhor, esparramou-se na cadeira e ficou ouvindo com cara de tédio.... Quando os PMs silenciaram um pouco o delegado falou alto para um dos presentes, que seria o interlocutor (imagino que fosse o escrivão):
Ô Palhares (o personagem tinha cara de Palhares, por isso me lembro do nome que imaginei), me ajude aqui a ver se eu entendi: esses dois idiotas, porque se não fossem idiotas não estariam na PM, teriam passado no concurso para a Policia Civil (eu não acreditava no que estava ouvindo), esses dois idiotas, não satisfeitos em serem sacaneados pelos estudantes, ainda vêm aqui nos contar como êles são babacas?
Até então nós não tínhamos analisado a situação por esse ângulo do ridículo dos PMs e confesso que a argúcia do delegado nos surpreendeu (e na época ainda não tinha o Chávez-Chapolim). Entretanto os PMs, embora lerdos, estavam concluindo que o delegado estava a fim de sacanear eles e começaram a se irritar e botar a mão nas armas e a situação começou a se transformar de cômica em preocupante. Os ânimos se exaltavam.
Enquanto todos discutiam se PM é mais burro do que Policial Civil ou vice versa, conseguimos sair de fininho e, sem que ninguém se desse conta (pelo menos achamos), nos “evadimos” e, para nós, ficou tudo por isso mesmo.
Ouvi dizer que quando o Sesé chegou ao Ceará andou organizando eventos do “cadáver”, mas não tenho confirmação. Sesé se formou em Civil-estradas e soube que êle foi trabalhar como engenheiro na abertura na Transamazônica. Nunca mais o vi. O Castelar ainda vi durante uns 10 anos depois de formados mas também sumiu de vista. Há pouco (estou escrevendo em jul2015), um colega formado na Naval (Miguel de Castro Cunha) e que é de Fortaleza me disse não os tem visto mas que acredita que eles estão bem. Apareçam!
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