1969 (aos 21anos)
Las Canárias é um arquipélago formado por umas 7 ilhas vulcânicas. A ilha mais próxima da África é Fuerteventura e fica a uns 100km a oeste do sul do Marrocos no continente africano. São mais que 7 ilhas, mas com gente vivendo acho que não passam de 7. As duas ilhas principais são Tenerife e Gran Canária. Paramos em Santa Cruz de Tenerife, porto muito movimentado e industrializado, refinaria de petróleo, armazéns imensos, muito comércio, etc.). Também porto pesqueiro, estaleiros de apoio náutico em geral e marinas de recreio importantes. E um bom aeroporto. As Canárias são uma “província” espanhola com status de “porto livre”, ou seja, sem impostos. Além disso estrategicamente localizada. Resulta que tem muito movimento.
Por estarem perto da Europa, recebem muito turismo pois ali sempre faz um clima parecido com Miami, afinal estão no mesmo paralelo, especialmente em janeiro / fevereiro, inverno no hemisfério norte. Tenerife, que, grosso modo, cabe em um círculo de 25km de raio, uns 200km de perimetro ) estava com muitos turistas nórdicos.
Logo no primeiro dia por ali (creio que ficamos uns 3 dias) fomos dar uma volta na ilha, tipo sightseeing, um dia inteiro para fazer o perímetro, mas valeu a pena, uma paisagem diferente. Durante o tour, ficamos sabendo de um point local para jovens, uma “boite-discoteca” cujo nome não vou lembrar mas que ficava na borda do mar, a pista de dança em balanço em um penhasco com o chão em vidro vendo o mar batendo na rocha iluminada por um holofote, uns 50m abaixo. Entre espetacular e amedrontador. Ainda mais lotado de gente.
Para entrar foi preciso furar a fila, tendo o Rainho se encarregado de subornar um segurança da portaria e entrarmos os 3 que estávamos juntos, acho que o outro era o Emiliano. Praticamente só tinha louros(as) de olhos azuis e acabamos nos enturmando com uma mesa de suecos e suecas. Para mim, o ponto alto da noite foi quando o disk-jóquei, um inglês, do nada, tacou um “namoradinha de um amigo meu” com Erasmo Carlos e a pista encheu. O nível das despesas ali estavam acima das nossas possibilidades e, após um tempo mínimo (2 h?), para compensar o valor gasto para entrar, fomos embora, na boa, dormir no A11.
Dia seguinte, circular no comércio porto-livre. Tudo por preços para nós irresistíveis, mas cadê o dinheiro? Eu tinha guardado algum para comprar uma camisa Lacoste e uma calça Lee blue-jeans, que no Brasil era moda (com um mocassim do Moreira era o uniforme da adolescência querendo se identificar com algo e ainda sem personalidade definida). Pelo menos não era nada de mau gosto. Mas o que me marcou muito nesse circuito de compra, foi ver alguns colegas da EFORM roubando camisas Lacoste e outras peças, até relógios. Pagavam uma camisa e davam um jeito de botar mais duas ou três na bolsa. E o liderzinho era, talvez, o mais riquinho da EFORM. Alguns que o escoltavam nem era más pessoas mas, como já disse, em fase infantil querendo parecer maus e se submetendo a lideranças piores. Se algum da época ler isto vai saber de quem e “quens” falo. O assunto acabou vazando pois muitos viram e todos ficaram preocupados que se os comerciantes acabassem percebendo, sujasse o nome dos brasileiros em geral ou atingisse alguém em particular. O tenente encarregado acabou sabendo mas não me lembro a providência tomada, se é que houve. Como se dizia então (talvez ainda se diga), muitos milicos eram como o macarrão: só é duro até entrar na panela. Alguma “lacoste” pode ter mudado de dono.
De Tenerife fomos a Dakar, no Senegal e também ficamos uns dois ou três dias (umas duas noites). Falava-se francês, e descobri que eu falava francês. Viva os cursos da Alliance Française, as professoras Mlle Eclair e Mme Jacobina no Andrews e Mme Sarie no CAp.! Nos muros, havia avisos “defense de defequer” (proibido defecar), mas não vi nada de chocante, pelo contrário, passados 55 anos, lembro de uma cidade arrumada, prédios modernos, muito contraste entre riqueza e pobreza, mas com certa dignidade, todos muito coloridos nas vestimentas. Destaque para o artesanato, de primeira, comprei uma estatueta de antílopes em madeira, que me acompanha até hoje e um lindo e moderno anel de prata pura, para a namorada, que fez muito sucesso pelo desenho.
De Dakar, viemos direto para o Rio, com nossos exercícios de guerra. Ao chegarmos, houve mais um ou dois dias para “darmos baixa” de guarda-marinha e sermos reformados como 2º tenente da RNR (reserva não remunerada).
Apesar dessas peripécias que merecem registro, o saldo foi muito positivo. Sou um orgulhoso 2º tenente da reserva e me considero um grato amigo da Marinha de Guerra do Brasil, onde aprendi muito e tive muitos bons exemplos.
Por volta de 2005 meus filhos chegaram à idade do alistamento militar e quis inscreve-los na EFORM. Lamentávelmente, fiquei sabendo que não existia mais, embora o CPOR do Exército exista até hoje. Um êrro da Marinha de Guerra.
Miguel Fernández y Fernández, Engenheiro e cronista,
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