memórias do eng. Miguel Fernández y Fernández, escrito em out2020
Nos idos de 1981/1982, pela Internacional de Engenharia (IESA), coordenei um trabalho denominado Projeto Rio e em seguida um "Programa de Despoluição da Baía de Guanabara - PDBG" .
Foi o primeiro PDBG, quando ainda pouco ou nada se falava a respeito.
A ideia do assunto entusiasmou alguns e gerou uma reunião no prédio do BNH (Banco Nacional da Habitação, hoje incorporado à CEF), na esquina da av R. Paraguai com av R. Chile, no centro do Rio. Participaram o Sérgio Franklin Quintella (então presidente da IESA), o Mário Andreazza (então ministro do interior e virtual candidato a presidente da república), o José Reinaldo Tavares (então diretor geral do DNOS), eu e uns dois ou três a mais e que não lembro.
Ali ouvi essa palavra pela primeira vez: "despoluição", surgida no meio da conversa e pronunciada pelo Quintella. Achei pouco técnica, impropria, preferia “sanear a baía”. Me soou tipo “imexível” mas em dez minutos todos já a usavam, logo concluo que eu é que não entendo dessas coisas de terminologia da moda.
Mas o tema principal era produzir um PDBG baseado no que conhecíamos sobre o assunto.
Financiado (pago) pelo DNOS (Departamento Nacional de Obras de Saneamento, hoje extinto mas a quem o Brasil deve muito), o “Projeto Rio” ia da Ponta do Caju ao rio Sarapuí tratando do “saneamento” da margem oeste da BG, com 15 a 20 favelas, genericamente denominadas “da maré”.
Nesse trabalho, criamos a idéia de fazer “captações de tempo seco” para acelerar a recuperação da BG. Fizemos um projeto conceitual bastante engenhoso e bastante desenvolvido, que aplicamos ao projeto básico de captações pequenas e outras bastante grandes, como para o canal do Mangue, para o canal do Cunha, para o Canal do Irajá e para o canal do rio Pavuna.
Nesse “Projeto Rio” tive a honra e a sorte de coordenar gente como Fernando Botafogo Gonçalves, Amarílio Pereira de Souza, Karl Kuster, e de ter um fiscal participativo, proativo e liberal extraordinário, o meu professor Eduardo Pacheco Jordão, pela FUNDREM. O Jordão era contra captações de tempo seco porque achava que nunca mais se investiria em esgotos e que se estaria tentando tapar o sol com a peneira. Mas não impediu nem atrapalhou nossa criatividade e entusiasmo. Pelo contrario apoiou e ajudou, mesmo discordando. Deve ter pensado: “paciência” isso não vai durar muito.... Atualmente me contaram que é um entusiasta. No fim, todos sempre concordamos que no fim há que convergir para o sistema separador absoluto (esgoto sanitário totalmente separado de águas pluviais) pois nossas chuvas são tropicais e frequentes.
Mas voltando ao assunto que me faz registrar estas reminiscências:
Montamos muitas “curvas de custo” e nos convencemos e a muitos mais que, com um investimento da ordem de 15% do total necessário para implantar um sistema de esgotos convencional seria possível resolver 75% do problema da poluição BG e que, se implantássemos um sistema de dragagem com uma 10 balsas por dia descarregando a 20km da costa, 300 dias por ano, seria até possível “rejuvenescer” a BG em um horizonte de 30 anos.
Havia um atrativo extra: as captações de tempo seco projetadas reteriam 95% do lixo aduzido pelas águas pluviais e eram 100% aproveitáveis mesmo para os sistemas convencionais que se construiriam a partir delas, ou seja zero de desperdício, e grande antecipação de resultados. Para quem não sabe, o primeiro grande problema da BG é o lixo e os sedimentos que lhe chegam.
Acontece que, uma vez concluído esse PDBG 1, a ideia foi muito bem aceita e entendida pelo Andreazza e se associou à imagem dele e vice-versa. Na luta para ser candidato a presidente, Andreazza foi difamado e muito acusado de corrupção. Tendo perdido a corrida para ser o candidato da ARENA para o Paulo Maluf que por sua vez perdeu as eleições indiretas para o Tancredo, do MDB, e o assunto morreu.
Foram acusações aparentemente injustas pois tendo sido ministro (Transporte e Interior), poderoso e por muitos anos, morreu pobre e seus filhos vivem sem posses, na classe média.
Quando o assunto ressuscitou, foi no governo do RJ, por volta de 1990, entre o fim do governo Moreira Franco e o início do segundo mandato do Brizola, com financiamento Japonês (JICA) e do BID, fornecedores, etc. mas o PDBG 2, digamos assim, era outro programa, começava com a construção das ETEs, gastou mais de dez vezes (em moeda estável) o que se previa no PDBG 1 e não despoluiu 1% da BG. Foi apenas um “Programa de Despesas na BG”
Agora, com o advento da terminologia “poluição difusa” as captações de tempo seco voltam a ter novo alento. Oxalá sejam feitas as principais: do Mangue, do Cunha, do Irajá. No Pavuna, mal ou bem foi feita uma improvisação para poder inaugurar a ETE onde o esgoto não chegava. Mas pode e deve ser aprimorada. Os projetos existem e são muito bons.
Quem sabe um dia fazemos uma apresentação sobre o PDBG1, embora o volume cópia que eu guardava tenha desaparecido há muitos anos. Mas ainda tenho o Projeto Rio com as melhores “Captações de Tempo Seco” que já vi pensadas.
Como velejador, pai e avô de velejadores, a BG é nossa casa. Uma pena.
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