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Reflexões

  • Foto do escritor: Miguel Fernández
    Miguel Fernández
  • 7 de ago. de 2023
  • 4 min de leitura

Atualizado: 29 de abr.

Falando sério, Roberto Carlos (1941, capixaba de Cachoeiro), e seu parceiro constante, Erasmo Carlos (também de 1941, carioca da Tijuca), vivem em nossa vida há muito tempo. Tanto pelas músicas, presentes nos momentos emocionalmente importantes, quanto pelas letras, como cronistas da alma e / ou dos incertos corações, juvenis, maduros e, agora, senis.

Embora tenham começado na cena musical nos idos de 1962, com o (hoje seria influenciador?) Carlos Imperial, foi em 1965, com o programa da Jovem Guarda (TV Record SP), que os brasileiros se deram conta que eram importantes para o Brasil e para o mundo.

Erasmo faleceu em 22nov2022. Pude assisti-lo ao-vivo-e-a-cores duas vezes. Uma delas por volta de 1973, no intimista “Flag” em Copacabana, a outra vez quando completou 50 anos de carreira, comemorados com um show no Teatro Municipal do Rio em 2012.

       Entretanto, por um motivo ou outro, só em 2023, pela primeira vez, fui ver um show do Roberto ao vivo. Não como já desejara, em uma mesa no desaparecido “Canecão”, onde nunca consegui ir, ou porque se esgotaram as entradas ou porque era um preço que não cabia no meu orçamento para esse tipo de coisas.

Desta vez, fomos eu e minha mulher no tal do “Jeunesse Arena”, enorme ginásio, herança das Olimpíadas do Rio, onde nunca tínhamos ido (nas olimpíadas fui ver um jogo de basquete num “estádio” vizinho e menor).

Por não conhecermos o local, e porque compramos em cima da hora (dois dias antes), naquela de que “nunca fomos ver o Roberto”, escolhemos dois assentos num tal de N3, que significa Nível 3. Ou seja, como chamam por aí, “no poleiro”, onde o preço, por assento, era aproximadamente US$ 62. Como idosos, saiu pela metade: US$ 31. Os assentos eram numerados, mas os bilhetes não, as pessoas sentavam conforme iam chegando, o que dava uma certa confusão. Nas cadeiras, da chamada plateia, (no térreo, onde teria sido a quadra (de “voleibol”?) seria US$ 200,00 por pessoa jovem.

Os arquitetos que projetaram aquilo, e os que aprovaram o projeto, devem ter pensado que os espectadores também eram todos atletas olímpicos: a altura de alguns degraus inevitáveis era de 50cm, a continuidade de corrimãos para as pessoas se apoiarem e o espaço para transitar nas fieiras de cadeiras era mínimo. Um absurdo, acessibilidade quase impossível.

E nas paraolimpíadas, como terá sido? Ironizei com o humor negro que aprecio.

Mas valeu o imprevisto. Além de ver meu ídolo, vivi a cordialidade e solidariedade de todos naquele poleiro de fãs de Roberto: _ emocionante! Tudo gente do bem. Muitas famílias levando os seus idosos. Era nítido que, para muitos, deve ter sido um sacrifício pagar para assistir aquele evento.

Gente com andador, com bengalas, curvados e hesitantes, uns se apoiando nos outros, molhados de chuva, para realizar um desejo, uma ilusão: ver o Rei ao vivo. Alguns vestindo e calçando o melhor que podiam reunir, no orçamento insuficiente, no gosto duvidoso, nas mãos calejadas e nos corpos disformes de muitas senhoras, certamente mulheres trabalhadoras da periferia.

Grande parte sob olhares complacentes de alguns, mais jovens, burguesinhos e/ou metidos a aristocratas, na verdade de outras tribos que se acham mais intelectuais, mais “gauche”, que pareciam ali estar por obrigação para com pais e avós, ainda bem, mas meio que envergonhados, se achando “pagando mico”.

Eram momentos que coroavam uma vida de admiração pelo ídolo. Tinha que dar certo. E deu tudo certo, embora caiba registrar um “detalhe”: nenhuma daquelas senhorinhas do poleiro, recebe rosas ao final, só a plateia.

Foram duas horas de show, a uma distância que mal se via o artista, exceto pelos telões, mas duas horas, que todos ali presentes se encarregaram de transformar em momentos mágicos, coisa inesquecível, cantando junto as músicas, repertório previsível e perfeito. Era o que todos queriam ouvir. Até o “lá-de-cima” ajudou, afinal, a última música era para Êle. A chuva estiou na entrada e na saída.

A “plateia” foi conduzida pelas letras à sua juventude, à iniciação amorosa, umas mais platônicas, outras nem tanto, às decepções e às complicações amorosas. Aos acertos, às dúvidas, aos êrros vividos. Coisas que o pensamento e a memória guardam e que ninguém quer confessar nem para si. Ou que quer contar para todos, mas algo não deixa. Ainda bem que o outro / a outra, também não contam, também acham que é melhor fingir esquecer. Amor é sexo? Sexo é amor? (alô, Jabor, Rita e Carvalho)

Em duas horas, olhando ora para o Roberto, ora para os rostos no entorno, ora para dentro de mim, percebi que estávamos ali em comunhão de espírito. As mulheres repassaram os seus antonios, seus silvios, seus aristeus, algumas as suas veras, acontece, os armários vão abrindo. Os homens repassaram suas marílias, suas enis, suas anas, suas marlís, suas helenas, suas lorenas, alguns os seus eduardos, tem de tudo. Sem esquecer o(a) amado(a) amante.

Roberto e Erasmo também eram os “reis dos motéis”, ninhos do amor que surgiram, e proliferaram, na mesma época da pílula anticoncepcional (±1964?) e da Jovem Guarda, que fazia o som ambiente, preferencial desse “estabelecimentos”. Tudo côncavo e convexo.

Quantos casos tentados? Quantos fictícios? Quantos foram verdade? Quantos foram mentira? Quantos sonhos inconfessáveis? Quantos ciúmes, desnecessariamente necessários, prá-lá e prá-cá. As letras daquelas músicas conhecem todos os detalhes, se tornam cúmplices!

Durante o show, parece que o gravador de sua vida é rebobinado, fazendo aquele barulhinho de fita voltando em alta velocidade. Não dá para entender nada, mas você sabe que sua vida está ali, resumida, e que o importante é que emoções você viveu. Se foi bom ou foi ruim, o que interessa é que foi sua vida.

Antes mal-acompanhada(o)-do-que-só, aconselhava a sábia avó. E de que vale tudo isso, se você não está aqui?

Roberto já com seus 82, voz dando conta do recado, estampa de artista que cuida da aparência, cuidadoso com a postura no palco, coisa de profissional, devia estar fazendo as mesmas conjecturas que eu, lá no poleiro:

_ até quando? olhei para ele e, telepaticamente, disse:

_ eu te proponho, dizer mais nada...”

Já com as idéias embargadas, pensei: presta atenção, esta é a nossa estação, vamos descer, agradecendo a viagem nesta espaçonave, com trilhas sonoras e poéticas tão lindas.

Saí de lá balbuciando: obrigado Roberto, obrigado Erasmo.

 

 

 

Miguel Fernández y Fernández, engenheiro e cronista, 20230729  6.436 “toques”




 
 
 

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