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Foto do escritorMiguel Fernández

COTAS 01

No mínimo 50,02%(?) de mulheres, 15,92%(?) de afrodescendentes, 9,15%(?) de homossexuais, 26,8% de cristãos e 49,5% no máximo, no mínimo 7,5% de pessoas com dificuldades de locomoção ou de ver ou de ouvir, nas universidades, nas empresas, nos departamentos das empresas e nas repartições públicas.


Números aleatórios, ironizando as precisões por aí usadas, porque essas seriam as porcentagens no censo demográfico. Será que uma negra, sapatão, católica numa empresa atende os três critérios e a empresa está de acordo com a lei ou se considera superposição? Pode-se legislar ao contrário? Por exemplo. Brancos só até 30%? Ou seria um “preconceito reverso”? E se o homossexualismo está igualmente distribuído nos 5 continentes nas raças, etnias, e religiões, já não estariam igualmente representados?


Entre outros, o assunto “cotas”, tornou-se um tabú, face a falta de diálogo e argumentação, o que termina transformado o tema em questão de fé. Não é de hoje, não é pela cor da pele ou tipo de cabelo, nem de gênero. As pessoas se ofendem em lugar de argumentar, o que torna a discussão complicada. Exemplificam com exceções. Entretanto as exceções não seriam para “confirmar as regras”?


Muitas vezes, quem não possui argumentos sólidos, recorre a “lacrar” o outro, fazer “buling”, tentar ridiculariza-lo. São os métodos que lhes restam.


E não há só as cotas mínimas. Há também as máximas.


A propósito do assunto, lembro de uma história ouvida do Vasquez: êle, então com cerca de 45 anos, tinha acabado de ser aceito no quadro social do ICRJ (Iate Clube Rio de Janeiro). Era por volta de 1984. Foi curtir seu primeiro dia como sócio quando, ao adentrar o clube, cruzou com o Levi um colega, uns 10 anos mais velho, engenheiro e trabalhando na mesma empresa, se conheciam bem.  O Levi, sujeito simpático, grande e expansivo, foi logo abraçando o Vasquez e dando-lhe as boas-vindas ao clube do qual ele já era sócio desde criança.


_ Vou te mostrar o clube, hoje você é meu convidado.


E lá foi, com um braço no ombro do Vasquez, arrastando-o pelas garages de barcos, oficinas, marcenaria, banheiros, vestiários, sauna, sala de carteado, de bilhar, bar, restaurante, sala de rádio, salas de aulas de navegação, diretoria, barbeiro, enfim.


Como o Levi, na época, fazia parte da diretoria, sabia os números de cór:


_ Temos 3.000 títulos, mas apenas uns 2.500 ativos. Outros 500 são um rodízio de mortos, moribundos, falidos ou desistiram da náutica. Enfim, 500 inativos pois, entre morrer um sócio e alguém comprar o título, leva um tempo e estatisticamente temos essa cota de uns 500 sócios que, por algum motivo, pararam de pagar. Para a tesouraria, e a administração, dá no mesmo.


E, para espanto do Vasquez, prosseguiu:


_Dos 2.500 restantes, temos 60 a 70% de homens e 40 a 30% de mulheres. Rindo com malícia concluiu: o clube aceita a autodeclaração e não investiga a fundo, caso contrário, os números seriam outros... E concluiu: desse total geral no máximo 10 a 15% são judeus como eu.


O Vasquez, que nunca tinha ouvido de tal restrição, meio surpreso, meio travado, disse:


_ Não vi essa parte nos estatutos, que fui obrigado a ler e conhecer, antes de ser sabatinado no exame de admissão ao clube...

E o Levi:


_ Não tá lá mas é a praxe. Nós mesmos os judeus cuidamos para não ter mais. Já pensou?  Mais de 15% de judeus ia ficar muito chato. Ninguém ia aguentar... E ria alto.


O Vasquez pensou, pensou, e perguntou:


   _ Pela religião ou pela etnia?


E o Levi:


   _ Pelos dois. Abre isso aqui para japonês, chinês ou americano, seja a religião que for. Vai ficar igual o Itanhangá (clube de golfe do Rio) que tem tanto japonês e nissei que passou a incomodar eles mesmos. Temos que limitar a entrada de americano, alemão, francês, espanhol, gaúcho, mineiro e bahiano. Paulistas e argentinos, no máximo 1%.  E só as paulistas e as argentinas. E ria...


O Vasquez então sugeriu:


   _ Para as judias podia ter uma tolerância maior.... quem sabe o dobro, uns 30 a 40%

E o Levi, parando de rir e encurtando a conversa:

_ Isso aqui é o nosso Brasil pô, tão querendo inventar guetos pra gente. Sacanagem de intelectual. O Joãozinho Trinta tem razão. Esses caras vão estragar o que a gente ainda tem de bom e melhor. Ainda vão arrumar inimizades entre nós, brasileiros, e estragar o país.


Proféticos, o Levi e o Joãozinho.

 

 

Miguel Fernández y Fernández, engenheiro e cronista 

Cronologia: 1986 06 15 COTAS Rc,  escrito por volta de 2020 - 2024,   4.256 caracteres, (com espaços)

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