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  • Foto do escritorMiguel Fernández

Marraio

A última mulher?


Nos jogos de bolinha de gude de sua infância de carioca nos idos 1955-61, dos 9 aos 14 anos, aprendeu que o último a lançar a bolinha na direção da búlica mais afastada (eram três buraquinhos alinhados feitos rodando com o calcanhar do sapato no saibro do terreno da pracinha), tinha uma certa vantagem no jogo. Não foi o único a perceber.


Havia ainda os usos e costumes. Para garantir que seria o último a lançar a bolinha, precisava ser o primeiro a gritar “marraio”. Claro, desde que não houvesse um garoto maior, com cara de mau.


Aliás, as meninas da turma só se interessavam pelos meninos maiores com cara de mau. Êle nem era mau, quanto mais fazer cara de mau... Nessa idade, as meninas que se interessavam por êle eram umas pirralhinhas. Só lhe restava recolher-se à sua insignificância. E assim levou a vida.


Quando já tinha uns 55 anos, depois de dois casamentos e uns dez relacionamentos que ficaram insossos e terminaram em pouco tempo, foi convidado para uma festinha-almôço da turma daquela época de infância-adolescência, na casa da Cecília.


Reviu ali gente que não via havia 40 anos, entre elas a Edna, uma das meninas que mais se destacavam na turma, tanto pela aparência quanto pela personalidade. Ainda bonita e elegante, embora já com marcas da idade, como êle. Tinha consciência disso e usava bigode. Quando se distraiam e não sorriam, a pele franzia, já formava uma espécie de código de barras em volta dos lábios.  Mulheres não usam bigodes, então lhes restava sorrir o tempo todo e uns cremes que, diziam, esticam a pele, mas tiram as expressões. Folgou em ver que a Edna ainda estava ao natural.


Maldades à parte, a Edna, além de também já estar no terceiro divórcio, tinha rodado bastante. Aquêle colega que nunca lhe chamara a atenção até então, talvez porque não tinha cara de mau, tinha fama de ser um profissional bem-sucedido, culto, viajado e, seria o tempo? passara a lhe parecer bonitão.  Como nunca tinha notado isso?


Ele também a olhava pensando quantas vezes deitara pensando nela. Quantas fantasias.


Notou que o caminho estava aberto e pensou, se não fui dos primeiros, que seja o último.


E, se aproximando dela, já foi falando “marraio” e arriscando um beijo, correspondido;  Ela perguntou o porquê da palavra marraio. Êle explicou.


Ela foi gentil, disse que até então estava se aperfeiçoando para êle. Êle respondeu baixinho:  _ eu também.


Daí a encaçapar a búlica foi um record: levou uns 30 minutos.  Foi no banheiro daquele apartamento em Ipanema, com a Cecília percebendo e alcovitando, colocando uma cadeira na porta e pedindo para todos usarem o outro banheiro: aquele estava com defeito.


Isso já faz um bom tempo. Só lamentam o tempo perdido.


Ou não.


Miguel Fernández y Fernández,

engenheiro e cronista

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