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Foto do escritorMiguel Fernández

Orgulho de ser brasileiro

Em 1998 fomos contratados para fazer o projeto do sistema de distribuição de água do bairro de Palanca, em Luanda. Palanca era uma verdadeira cidade-favela, com 3.000ha e população então da ordem de 500.000 habitantes, quase todos recém-instalados, provenientes do campo e retirantes da então guerra civil;

Na ocasião iria uma colega mais jovem mas que, na última hora refugou ir para um local tecnicamente em guerra. Tive que ir eu. Acompanhou-me como cliente o experiente engº Ivanildo Calheiros, excelente colega. Fomos no voo dominical da TAAG (Transportes Aéreos Angolanos), que ainda existe e que na época era o único voo Brasil-Angola (agora, para o Rio são uns três por semana).

Aterrissamos em Luanda à noite, de um inacreditável Boeing 747 quase cheio (aquele maior do mundo até hoje, chamado Jumbo, com 2º andar para 1ª classe), em um inacreditável aeroporto totalmente às escuras, balizado por seis ou oito carros com os faróis acesos e o avião parou no meio da pista.

Coisa de filme...

Descemos por escadas encostadas ao avião, com ajuda de faróis dos carros iluminando e fomos resgatados dali por um carro da CNO (Cosntrutora Norberto Odebrecht), com quem nosso cliente organizara a infraestrutura de apoio embora o serviço nada tivesse a ver com a CNO.. Naquele instante entendi porque me havia sido recomendado viajar só com a bagagem de mão...

Saimos do aeroporto em total escuridão e seguimos por um roteiro cinematográfico, com tudo escuro, sem faróis, passando por barreiras de militares armados, até chegar onde pernoitaríamos, uma tal de Vila do Gameck, que era um tipo de cidadezinha de residência do pessoal das obras da CNO.

Nos destinaram a mim e ao Ivanildo, uma casa de hóspedes com 4 quartos, mas só nós dois ficaríamos lá. Havia uma geladeirinha com um mínimo de mantimentos e que estivéssemos prontos para o café-da-manhã às 6hs30 pois seria esse o nosso “turno”. Não havia luzes externas e as janelas tinham os vidros cobertos internamente com papel pardo.

Lembrei-me de meu serviço militar

Em rápida inspeção, lembro-me de ter encontrado um livro deixado pelo visitante anterior: “Minha Vida de Playboy” do Jorginho Guinle. Quem terá sido esse visitante anterior tão ligado à nossa cultura?

Às 6hs30, por um misto de obrigação, tensão, fome, curiosidade, etc, já estávamos no amplo refeitório-de-obra junto com outros colegas, a maioria engenheiros da CNO.

Aos poucos fomos nos inteirando de que a CNO fazia diversas operações em Angola e ali era como se fosse um bairro cercado, onde todos moravam. Que face o estado de guerra, muitos trabalhos estavam desativados ou lentos, razão pela qual muitas casas da Vila do Gameck estavam desocupadas mas como era o único lugar com um mínimo de infraestrutura e segurança, as casa desocupadas eram alugadas por pessoal do corpo diplomático de diversos países. Lembro-me de pessoal da França, da Itália, dos Estados Unidos, da Rússia, mas eram muitos mais.

Como o Gamek era um verdadeiro bairro, o pessoal da CNO e suas famílias moravam lá e havia supermercado e uma escola primária com professoras brasileiras para as crianças filhas dos funcionários.

Então, enquanto tomávamos o café da manhã naquele refeitório, vimos as crianças se perfilarem em umas 4 ou 5 turmas de 20 a 30 alunos cada e às 6hs55 começarem a cantar o hino nacional brasileiro enquanto a bandeira brasileira era hasteada.

Nesse momento todos nos levantamos e em posição de respeito, também cantávamos baixinho para não atrapalhar (não competir com) as crianças do lado de fora. E os gringos todos, também de pé, em posição de sentido, acompanhando respeitosamente aquela demonstração de organização, competência e ousadia.

Fui às lágrimas de emoção durante todos as cinco manhãs que por lá fiquei.

Passados mais de 15 anos, conto isto ainda com emoção, pois nunca me senti tão orgulhoso de ser brasileiro e de ser um engenheiro brasileiro. Devo essa à CNO.




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