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Questão de Ordem

  • Foto do escritor: Miguel Fernández
    Miguel Fernández
  • 8 de out.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 11 de nov.

Collor de Mello estava presidente, desde o início de 1990. Era o “Dia nacional da Agua” (22março1991). Um grupo de profissionais de todo o Brasil combinou de ir a Brasília pois haveria uma sessão da Câmara dos Deputados dedicada ao setor de saneamento (água potável, esgoto sanitário, esgoto pluvial, coleta e destino final do lixo e controle de vetores).

Alguns recém-empossados deputados, de todo o Brasil, eram do setor. Lembro do Junot (da antiga SANERJ, que ao fundir com a CEDAG e a ESAG, virou CEDAE-RJ), eleito pelo PDT RJ. Foi grande divulgador desse encontro.

Todos que entravam no recinto eram devidamente identificados, revistados, assinavam uma lista de presença, e os simples mortais do povo encaminhados para a chamada “galeria” e avisados de que tudo era gravado.

Presidia a sessão o deputado Sérgio Arouca, formado em medicina e ex-presidente da fundação Osvaldo Cruz, a FIOCRUZ, além de conhecido líder nacional do PCB (Partido Comunista Brasileiro, ligado a Moscou), o famoso “partidão”.

O PCB/PPS, o PDT (do Brizola), o PSB (do Arraes), o PCdoB (dissidência Leninista do PCB), o ainda novo PT (“estimulado” pelo general Golbery com a igreja católica para se contrapor ao Brizola), e o recém-criado PSDB (com Covas e FHC), compunham parte da dita “esquerda” no Brasil.

O novo assunto, do momento, era a “desestatização dos serviços de água, esgoto e lixo”, tema que começara a surgir nas entrelinhas.

O plenário, não lotou, mas estava, digamos, com mais de metade das cadeiras ocupadas. O local destinado à plateia, também mais de 2/3. Nada mal para quem queria “marcar posição” e demonstrar a importância do setor.

Iniciada a sessão, após os blá-blá-blás de praxe, inscreve-se para falar um representante do PT, de São Paulo, e começa a fazer uma catilinária contra “privatizar os serviços públicos”, etc e tal.

Entretanto, sua argumentação, em lugar de, por exemplo, questionar a privatização de monopólios naturais, seguia um viés preconceituoso, de que a iniciativa privada seria desonesta enquanto os funcionários ditos públicos seriam honestos, que a administração do estado seria mais correta, que o setor privado só iria visar lucro, etc e tal, e por aí ia, quando um colega da platéia, onde estávamos, começou a querer falar, fazer um aparte, mas nada de o Arouca lhe dar atenção.

Lá pelas tantas, o colega gritou bem alto “QUESTÃO de ORDEM”.

Quem fez um mínimo de política estudantil (nesses ambientes, mais da metade fez), sabe que, quando se grita isso, a praxe diz que é melhor ouvir o que o colega quer dizer. Foi o que o Arouca fez: Interrompeu o orador e abriu o microfone de apartes para o colega da plateia, que foi até lá (parece que não é mais assim, ou nem sempre é assim, mas nesse dia foi).

Chegando no microfone o colega disse mais ou menos o seguinte:    

“_ eu entrei aqui e fui identificado, portanto minha presença é rastreável, se ouvir calado parece que concordei. Pergunto ao orador: fui funcionário público, concursado, por duas vezes, hoje estou na iniciativa privada. Pelo que o colega diz eu fui honesto duas vezes, mas não sou mais, se voltar a ser funcionário público, volto a ser honesto?

O orador (o do PT-SP) ficou irado, gritando com o Arouca,

“_ isso não é questão de ordem, corte o microfone dele”.

O Arouca não deve ter gostado da forma como foi interpelado, ou então aproveitou para mostrar que o PCB, em matéria de argumentação inteligente, estava acima dos demais partidos de “esquerda”, e disparou;

“_ mas o colega da platéia tem razão! Os militares. os policiais, os funcionários do DOPS, também são funcionários públicos e todos aqui temos muitas restrições a como o Estado agiu durante anos. Parece que o senhor esqueceu disso”.

Apesar de alguns risinhos, baixou silêncio mortal na “plateia” e no “plenário” e total constrangimento para o orador, ainda na tribuna, que ficou gaguejando até terminar seu tempo, sem conseguir retomar o rumo...

Dali para a frente os discursos foram meramente protocolares, elogiando o setor “que evita que as pessoas fiquem doentes, os abnegados trabalhadores do lixo, do esgoto, dos subterrâneos que nos dão higiene e bem estar,. blá-blá-blá...”   

Naquele dia, nenhum orador tocou mais no assunto, mas parece que foi ali que o saneamento brasileiro começou a ser desestatizado.

Ao final da sessão, o colega da “questão de ordem” saiu praticamente nos ombros da turma de entidades privadas ali presentes. Não porque se quisesse “privatizar” ou “desestatizar”. Mas por ter contestado os desaforos. Para as empresas privadas, dá no mesmo, prestar serviços para a concessionária seja ela privada ou estatal. Só os inocentes não percebem.

Curiosamente, a primeira privatização de saneamento  do Brasil foi no município de Ribeirão Preto (SP), em 1995 (esgotos), sendo o prefeito do PT. Em seguida, Niterói, em 1997, com o prefeito do PDT. O mesmo aconteceu em outros países. Será que o discurso sendo um, a ação é outra?   Muitos dizem: “_ ainda bem”.

E, um monopoliozinho, pra chamar de seu, não faz mal a ninguém, não é?



Miguel Fernández y Fernández, engenheiro, cronista e articulista, membro da Academia Nacional de Engenharia e do Instituto de Engenharia # escrito em 2018 R2025set02Re,   5.018 toques

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