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  • Foto do escritorMiguel Fernández

Ciúmes Étnicos 2, Alfacinhas

Atualizado: 7 de jun. de 2023

01_Fiz o serviço militar de dez1966 a fev1969 na EFORM Escola de Formação de Oficiais da Reserva da Marinha. Não existe mais. Equivalia ao CPOR do Exército que existe até hoje. Éramos, todos, universitários. A maioria da engenharia e da medicina, um ou outro do direito, da economia, da sociologia, da arquitetura. No total, uns 100 “aspirantes” por ano divididos em 4 “grupos”: Armada Convés, Armada Máquinas, Fuzileiro Naval e Intendencia. Durava 2,5 anos: dez a fev, julho, dez a fev, julho e dez a fev, ou seja, nas férias para não atrapalhar a universidade.


02_Essa turma fev69 “embarcou” para exercícios (treinamento) de guerra naval por duas vezes. A primeira em jul67 indo a Salvador (BA) e Santos (SP), eu no cruzador Barroso (C11). A segunda vez foi de 15dez1968 a 15fev1969, já como Guarda-Marinhas (GM), com a “esquadra” brasileira (que eu me lembre, um porta-aviões, uma fragata, dois contra-torpedeiros e um submarino), indo a Salvador, Cabo Verde, Canárias, Cadiz, Lisboa, Dakar e Rio, eu no porta aviões Minas Gerais (A11)


03_Grosso modo, a tripulação do navio era divididas em 5 “plantões” (ou “guardas”). Em terra os plantões eram turnos de 24horas, como a semana tem 7 dias, os revezamentos nunca caiam sempre no mesmo dia da semana para o mesmo “plantão” e acabavam sendo ao acaso. E mesmo para turnos com rodízios de seis horas ou quatro nenhum plantão pegava sempre o mesmo horário.


04_Ao chegarmos em Cadiz, paramos por 4 dias e meu plantão completou o o turno no dia da chegada, ou seja, tivemos os 4 dias seguidos “em terra”. Deu até para ir conhecer Sevilha. Eu, Engel, Rainho e Tiago dividimos o aluguel de um SEAT 500. Como a gente coube no carro não sei.


05_Tivemos tanta sorte que, ao chegar em Lisboa, novamente nosso plantão pegou 4 dias direto em terra. Voltamos a fazer o grupinho e alugar um carro, dessa vez um pouco maior. Chegamos a ir conhecer Coimbra (e Conimbriga, recém descoberta!).


06_No último dia em Lisboa fomos a uma casa de “Fado Raiz”. Era o “point” de fado para turistas. Ao entrar passei os olhos no lusco-fusco do local e identifiquei umas duas mesas com oficiais da esquadra, outras duas de outros colegas, outros tantos turistas em outras mesas, e uma mesa comprida vazia.


07_Lá pelas tantas chegaram umas 30 mulheres e se instalaram na tal mesa comprida. Viagem de formatura de um colégio feminino de São Paulo! Todas nos seus 18-19 anos e umas quatro professoras “velhinhas” de uns 40-45 anos. Aquilo era um bilhete de loteria “sorteado”. A gente com 21-22 anos, ambos grupos viajando havia dias, haja testosterona! Enquanto não começava a musica ao vivo, começou o baile, os 12 guarda-marinha presentes tirando as moças para dançar enquanto os oficiais cuidavam das 4 “coroas”.


08_Como eram mais de duas moças para cada guarda-marinha, a gula prejudicou a razão, cada um dos 12 querendo ficar com as mais bonitas. Embora na flor da idade todos sejam bonitos(as), uns mais outros menos, mas todos bonitos, a gula, a soberba, a imbecilidade se instala na maioria. Como é sabido, os e as mais bonitas costumam ser, também, os(as) mais metidos(as), os(as) mais exigentes, os(as) mais difíceis, mais chatos(as), mais tudo.


09_Embora ali naquele lusco-fusco não se visse algum mister ou miss Brasil, cada um(a) tentando emplacar os(as) mais bonitos(as), perderam muito tempo e as chances do acasalamento. Começou o Fado ao vivo e só poucos(as) tinham encontrado uma possível parceria.


10_Terminado o show, todos foram dispersando e acompanhando as meninas até a porta do hotel, ali próximo. Os que não vislumbraram chance de acasalar nem empatia com alguém já foram indo para os barcos pois a saída estava prevista para o dia seguinte por volta de meio dia. No meu grupinho sabíamos que um de nós teria que devolver o carro na locadora ao amanhecer.


11_Um grupinho foi esticar no bar do hotel. Nosso amigo Tiago foi com a nova amiga, todos morrendo de inveja. Logo depois foi-nos deixar no cais onde estava encostado o Porta Aviões (que impressionava) e ficar com o carro. Fomos três no banco de trás e, no da frente, o casal. Daqui para frente a narrativa é parte o que Tiago nos contou e parte o que vimos.

12_Voltando para deixar a moça, passeando pela borda do rio Tejo, resolveram parar o carro no estacionamento do jardim ao lado da Torre de Belém, bem na beira-rio, para assistir às “corridas de submarino”, como se dizia. O eufemismo subentendia ocupar o banco de trás do carro, como era de praxe. Naquele horário, era o único carro no estacionamento de toda a orla do rio Tejo até onde a vista alcançava. Do lado de fora o forte frio do inverno Lisboeta.


13_Ia tudo muito bem, conforme o script, o casal transpirando dentro do carro, o lado de fora muito frio, os vidros embaçaram, não se via nada nem de fora para dentro nem de dentro para fora. E assim foi por cerca de uma hora, esquecidos da vida.


14_Lá pelas tantas, um grande sobressalto: alguém falava alto e batia com força e com algum objeto metálico no vidro do carro. Ao mesmo tempo, uma luva tentava limpara o vidro por fora embora o maior embaçamento fosse por dentro. Mas deu para perceber que era a polícia porque havia uma “viatura” com as luzes piscando. Começaram a se recompor vestindo a roupa que havia sido tirada, não só para enfrentar o frio de fora como porque acharam que não ficava bem aparecer vestidos como estavam. Nessas horas, um minuto parece uma eternidade, mormente com a polícia no calcanhar e sendo você um estrangeiro.


15_Como começou a parecer que iam quebrar um vidro, o Tiago acabou saindo de qualquer maneira ainda colocando o cinto e a farda (esqueci de dizer que naquele dia foi obrigatório estar com um daqueles uniformes de gala, cheio de brocados como dizem nos desfiles de carnaval). Os policiais se deram conta que o rapaz era da esquadra visitante e se por um lado acalmaram, queriam tirar proveito da situação, constrangendo-o por estar ali, àquela hora (02 da manhã?), naquela condição, abotoando a braguilha da farda, etc..


16_Enquanto se fazia de sonso, perguntando qual lei estava infringindo, que ali era permitido estacionar, etc., etc. o assunto não saia do ponto. Os policiais queriam ver quem mais estava dentro do carro e o Tiago não deixava pois a amiga precisava tempo para recolocar um mínimo de roupa: brasileiro no inverno europeu faz o famoso mil-folhas, e é difícil reorganizar tudo, nem deixando pra lá metade das ”folhas”.


17_E os “alfacinhas” (apelido pejorativo que os demais portugueses dão aos lisboetas) queriam ou ameaçavam leva-los à delegacia (lá se chamava “comissaría”) para registrar fosse lá o que fosse, mas ia começar por atentado ao pudor e o GM, muito cioso de seu cavalheirismo, não podia concordar em “fichar” a moça nessas circunstancias.


18_Apelou de todas as formas e acabaram se entendendo em uma propina (pensam que é só no além mar?). Mas os policiais estavam irredutíveis em US$ 100,00 (o GM tinha só US$ 50,00), até que a “moça” não se conteve mais e saiu do carro apesar dos apelos para não sair (medo de que a situações pudese descambar para uma “curra”, foi o que lhe passou pela cabeça, nos contou).


19_Mas, quando ela saiu e os policiais viram que também era brasileira (nãoportuguesa), milagre!: mudaram de postura. O problema passou à esfera de “auto determinação de outro povo”, e relações internacionais pareceu transcender o alcance ou o interesse deles.

20_Ficou evidente que, ao não ser uma conterrânea, a parte psicológica (ciúmes) foi resolvida. Coisa antiga, latente nos humanos: quando um cara da zona oeste aparece na zona leste, ou vice-versa como Bolinha e Luluzinha sabiam muito bem.

21_Rapidamente pegaram os U$$ 50 (onde havia parado a negociação) e se foram com a aparência do dever cumprido.

22_O colega, nos contou também que estava com receio de chegar atrasado de manha ao navio e ser punido, embora a aventura valesse por 100 punições. Seu turno começaria às 08hs mas acabou entrando no hotel e pernoitando lá escondido pela amiga. Foi então que se deu conta que ela era muito rica e fazia o que queria no grupo, inclusive ter um quarto só para ela enquanto as demais da “excursão” partilhavam os quartos.

23_Acabou chegando atrasado mesmo e tivemos que ouvir um sermão marinheiro-machista (hoje tido como lamentável) do tenente-encarregado dos GMs, na frente de toda a tripulação (na época não havia mulheres nas forças armadas):

na marinha não se toleram atrasos. Entretanto não vou punir o GM porque o motivo é mulher e o cara foi safo(*1). Eu estava lá na casa de fado e vi o GM se resolver com a primeira que o olhou sem perder tempo escolhendo a mais bonita. Na marinha e na vida temos de ser rápidos, porque o barco esta sempre de passagem. Nota dez para o GM”.

Na época soava engraçado e fazia parte do folclore marinheiro, mas já era discutível. Imagina hoje (2019), um(a) Tenente falando isso para uma GM que chegar atrasada. Dá pra avaliar o ridículo.

(*1) safo é uma palavra da gíria de marinha, talvez a mais usada, tanto como verbo, como adjetivo, como interjeição. Por exemplo: “arrume um safo para safar aquilo” (arrume uma pessoa hábil para resolver aquilo) ou então “êle que se safe” (êle que se vire). Nada a ver com o uso civil: safado. Pelo contrario, os “safos” são altamente valorizados.


Miguel Fernández y Fernández, engenheiro consultor e cronista,

escrito em set2019, 8.183 caracteres & espaços


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