Nos anos 62-63, o governador do Rio Grande do Sul era o Leonel Brizola, casado com a irmã do então presidente João Goulart, a quem pretendia suceder na presidência, mas havia um entrave legal, creio que até constitucional: o presidente não podia ser sucedido por parentes.
Como leis não são feitas para os amigos, são para os outros, cunhou-se então a frase “Cunhado não é parente, Brizola para presidente”, que era divulgada em todos os meios de comunicação. A “base teórica” era que não havia consanguinidade.
Teve gente que levou isso tão a sério, que muitos matrimônios foram afetados! De repente muitos pais e mães descobriram que não eram sequer parentes!
Foi por essa época que, Nelson Rodrigues, meteu o bedelho no assunto, criando personagens para suas peças de teatro que estragaram a reputação de cunhadas e cunhados deste Brasil varonil e adjacências, quer dizer, da américa latrina. Homens e mulheres no “coño sur” concluíram que também eram personagens do Nelson e todos e todas liberaram seus anjos pornográficos, seus lados cafajestes, suas porções mau caráter.
Tudo isso me vem à mente porque o amigo Pará veio me contar ter encontrado o nosso ex-vizinho Edmundo, no bar da Urca, tomando um uísque com a cunhada, uma tal de Léa, que estava solteira e morava por ali. Como o Edmundo era (e é) casado, mas morava lá para o Leblon, o Pará achou suspeita a reação, com certo susto, dos dois quando o viram.
Além disso, o Pará achava a cunhada do Edmundo do tipo, como se dizia na época, comível. Muito comível. Aliás, segundo o Pará a Urca achava isso. E fez cara de quem iria querer provar também ou contaria para todo mundo...
Lembrei que, uma vez, de passagem por São Francisco do Sul, fui a um cabeleireiro unissex, no térreo do hotel. Lá pelas tantas uma cliente levantou-se, mexeu na bolsa e, indo embora, falou em voz alta para outra que estava fazendo as unhas:
_ cunhada, paga por mim que eu esqueci a carteira em casa.
O salão era grande, estava cheio e barulhento, mas fez-se um silêncio ensurdecedor, provavelmente porque a maioria sabia algo daquelas mulheres cunhadas entre si, que o viajante aqui só intuiu por causa do silêncio gerado. O silêncio durou até que a cunhada que ficara, também em voz alta, comentou:
_ “se cunhado fosse bom não começava com cú”
Ao que, o barbeiro que me atendia, retrucou, fazendo um trejeito:
_ há controvérsias
Gargalhada geral no salão!!!
Uma amiga, que me acompanhava, professora de literatura, completou:
_ uma vez fui ao dicionário ver o que significava “um punhado” e vi que era o que cabia no punho, na mão, já “um bocado” era o que cabia na boca. Nem quis ver o significado de cunhado...
Novas gargalhadas. Filosofamos então sobre a criatividade da etimologia dos adjetivos enfezado e coitado. Salão de beleza culto aquele.
Voltando ao bar na Urca, o Pará me contou que o Edmundo, talvez percebendo os pensamentos do ex-vizinho, fez sinal para ele ir sentar onde a cunhada acabara de sair e lhe disse:
_ Lembra do nosso antigo vizinho o Gérson, que fez engenharia?
_ Aquele que foi diretor da CEDAE (Cia Água e Esgotos do RJ)?
_ Esse mesmo! Quando êle formou coincidiu de irmos morar em Jacarépaguá, quase vizinhos, e um cunhado dele, de nome Oscar, também. Esse Oscar era daquele tipo muito malandro, mas o Gerson se esforçava em tratá-lo bem, por causa da irmã, que tinha escolhido aquilo. E porque, naquela altura, os pais dele foram morar com a filha para não deixa-la à mercê do rapaz, acabavam pagando as contas, por aí.
_ Mas porque esse assunto Edmundo? (disse o Pará)
_ É que esse Oscar, logo no início do casamento, para diminuir despesas, andou fazendo umas ligações clandestinas de água e de eletricidade, para as duas casas, de forma que as contas fossem mínimas. Como o malandro começou a aprontar demais, o casamento acabou, para felicidade geral do Gerson, irmã e pais.
_ E daí? Perguntou o Pará)
_ Daí que o Oscar ao não conseguir um acordo com a ex-mulher (a irmã do Gerson), que fosse favorável a êle, entre outras represálias denunciou as ligações clandestinas à policia. O Gerson, que nem sabia dos “gatos” acabou demitido da CEDAE, pelo escândalo de estar roubando água da própria empresa. Parece que o tal Oscar desapareceu, ou foi desaparecido, não se sabe bem. Cunhado(a) é um negócio muito perigoso! Concluiu.
O Pará entendeu aquilo como uma ameaça velada. Com certa elegância, com uísque 12 anos, mas se sentiu como que ameaçado, caso voltasse a olhar a cunhada dele. Tem gente muito ciumenta e ainda por cima com ciúme direcional.
O Pará achou melhor deixar a cunhada do Edmundo prá lá, ao menos por uns tempos. Mas cumpriu a sua parte: contou para todo mundo, que os cunhados estavam tendo um caso. Foi sua vingança pela “talvez” ameaça do Edmundo.
Fiquei curioso em conhecer a Léa. Acho que era ela, uma bonitona com cara de atrevida, que uma vez vi no supermercado Farinha Pura, na rua Marechal Cantuária, atraindo os olhares dos que por ali estavam. Se não era, tinha tudo para ser, digamos, pivô de encrencas.
Miguel Fernández y Fernández
Engenheiro e cronista, jul2023,
a propósito de uma conversa sobre cunhados(as) com Jerson e Luis Edmundo
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Miguel Amigo, um conto muito bom que fala de um tema deveras comum no nosso cotidiano, mas quase sempre revestido de falsas e hipócritas aparências.
Parabéns!
Abrs!