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Foto do escritorMiguel Fernández

Muchos Padres

A ONU patrocinava excelentes cursos de pós-graduação no Instituto de Hidrologia de Madrid, que era dirigido pelo eng. Rafael Heras, e ocupa um lindo prédio de moderna arquitetura, junto ao rio Manzanares. O coordenador era José Liria Montañes, engenheiro de “caminos, canales y puertos” (na Espanha corresponde a engenheiro civil), autor de um belo livro sobre canais.


As aulas começavam em janeiro e, para nós, sulamericanos, eram mais formais do que estávamos habituados, com “chamada” (verificação de presença), professores de terno e gravata etc.


Esta história, aconteceu em 1976 no curso de irrigação. A turma tinha uns 40 a 50 alunos, do mundo todo: América Latina, África, Ásia e quatro espanhois. Alguns eram engenheiros civis, outros agrônomos, mecânicos, eletricitas, dois metereologistas, enfim, interessados na atividade Irrigação. As disciplinas eram edafologia (pedologia), bombas, canais, noções de agranomia e de botânica, infraestrutura agrária, etc.


Em meados de fevereiro o prof. Liria aplicou um teste-surpresa e, na aula seguinte, começou a ditar as notas: António: 7, Benjamin: 6, Carlos: 6,5, Dino: 8, Eduardo: 5, Fernando: 5,5, Ignácio: ZERO. E parou aí. Silêncio geral. Todos olhamos para o Ignácio, que era espanhol, de Ecija, na Andaluzia, e o caçula da turma, formado em agronomia fazia pouco, muito expansivo e, embora não venha ao caso, notava-se, de bom poder aquisitivo.


O silêncio durou até que o professor Liria, um pouco irritado declarou:


“Usted há faltado, que pasó?” (o sr. Faltou, o que houve?)

Então Ignácio levantou-se e, quase em “posição de sentido”, declarou solene:


“É que meu pai morreu...”.


Consternação geral, todos olhamos para o Ignácio, que sujeito estóico! Não nos dissera nada e continuava com o bom-humor de sempre. O prof. Liria apressou-se em marcar em teste para aquele mesmo dia, enfim, vida que segue.


Passam-se meses, e o prof. Liria resolve fazer outro teste-supresa. A situação se repete quase como em uma reprise de filme. Finalmente, após o silêncio protocolar e a mesma pergunta do professor Ignácio levanta-se e formalmente diz:

“É que meu pai morreu...”


Supresa geral, todos se viram para o Ignácio não acreditando que ele falou aquilo! Ele percebe a mancada, o professor também e aproveitando a ocasião diz:


- Se não me falha a memória seu pai já morreu há alguns meses...


Silêncio geral. Mais alguns segundos o professor volta e insiste, com Ignácio ainda de pé, meio sem saber o que fazer:


- O que me diz?


Ignácio gagueja um pouco e diz:


- “Me perdone, és que nosotros, los hijos de puta, tenemos muchos padres...”


Confusão geral, risos, gargalhadas, até o professor Liria, sempre muito sisudo, ria solto!


Esse era o engenheiro Ignácio de Jove, excelente amigo, excelente pessoa, excelente profissional, veio a ser diretor técnico do perímetro irrigado Marisnas del Guadalquivir (Andaluzia, Sevilla). Faleceu precocemente em 2002, aos 47 anos, de câncer, deixando dois filhos. Como se diz na Espanha:


Que em Paz Descanse.


Miguel Fernández, engenheiro consultor, cronista e articulista

Rio de Janeiro, publicado na Revista ABES Bio n°91 Abr/Jun 2019, pág.45.
















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