Era março de 2006, no setor de maternidade da Casa de Saúde São José, no bairro do Humaitá, zona sul do Rio de Janeiro, acabava de nascer um neto. Um primeiro neto!
O avô materno chega para uma primeira olhada e vem equipado com uma garrafa de malte escocês “cardhú” e uma caixinha de charutos que havia comprado para o evento, igualzinho como fizera cerca de 20 anos antes com um primeiro filho homem.
Imitava o que seu pai lhe contara que havia feito, seguindo a lenda, já lá se iam 59 anos. Lendas são como as bruxarias, as simpatias: não se contrariam. Melhor não discutir com o além.
Ditado galhego: “as meigas? non o creo pero haber hainas”. O pai era da Galícia.
Bahiano, perto de galhego. é aprendiz de macumbeiro....
Então, ele estava ali para seguir as tradições: recém nascido do sexo homem tem que levar uma baforada de fumaça de charuto na cara, pra depois não ficar em dúvida sobre o gênero que vai adotar.
Os galhegos se anteciparam em séculos a essa novidade, embora pareça que muitos pais galegos andaram que esqueceram dessa tradição ou não acreditaram nela ou não deram a baforada direito... ou é só uma lenda mesmo.
Mas, voltando à maternidade, o avô, para perplexidade geral, em pleno ano de 2006, do politicamente correto, da condenação ao tabaco, e por isso mesmo, meio escondido, acende o charuto e, de surpresa, dá uma baforada certeira na cara da criança...
Grande escândalo! Pai, mãe, tios, avó, correm em defesa da cria, vozes se levantam, enfim, um “auê” que resulta em abrirem abruptamente não só a janela mas também a porta do quarto onde a mãe e o bebê “repousavam”, para ventilar e expulsar o avô.
A porta dava para um corredor limpiíssimo (assim mesmo, com dois is de tão limpo e perfumado com cheiro de hospital). Nesse momento, além do alvoroço e das pessoas o odor de charuto se espalha pelo andar como que a fazer propaganda das pajelanças, das bruxarias ignorantes (segundo a oposição) e das tradições (segundo os apoiadores).
As portas dos demais apartamentos começam a se abrir, as pessoas não sabem o que dizer, se reclamam, se pedem um charuto, um uísque, se dão parabéns, enfim, cria-se uma aglomeração, alguns muitos, contra, outros poucos, a favor do primeiro avô.
No meio de todos destaca-se um vozeirão do pai do recém-nascido do quarto ao lado, muito zangado com o vazamento do bafo de tabaco que atingira as narinas dele, da mulher e de seu filhinho também recém-nascido e ainda tão frágil!
O primeiro avô olha para o aviso na porta do quarto do pai do vozeirão e com cara de poucos amigos, e vê um aviso bordado, cheio de fru-frus: “benvindo Raul”. Então passa o braço no ombro do vozeirão e conta baixinho a história do porquê da baforada.
O do vozeirão faz cara de “entendi”, acalma, disfarçadamente aceita um charuto e um copo com malte...... Daí uns 10 minutos vem pedir o isqueiro do primeiro avô:
_ Empresta rápido e vem cá ajudar enquanto a mãe foi no banheiro.
Os motivos da “charutada” circularam a boca pequena, com olhares de compreensão e cumplicidade de todos os quartos, dos médicos e das enfermeiras. A caixa de charutos esvaziou-se rapidamente e não se falou mais no assunto.
Miguel Fernández y Fernández, engenheiro e cronista,
Escrito em 2021ago, a propósito de um novo neto. (2.950 toques).
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