Sobre o ensino da engenharia (parte 1)
- Miguel Fernández
- 19 de mar.
- 4 min de leitura
Atualizado: há 5 dias
Como engenheiro atuante, com dois filhos engenheiros na ativa e um neto cursando engenharia, todos, como eu, pela nossa amada UFRJ, escrevo este texto com espirito construtivo, mas fora dos atuais costumes do “politicamente correto” muitas vezes usado para evitar críticas e deixar tudo como está.
Em 16jul2011, há quase 14 anos, sob o título "Sinais de Retrocesso" um importante jornal brasileiro publicou, na coluna OPINIÃO, artigo assinado pelo então vice-diretor da Escola Politécnica da USP, reclamando da eventual aprovação de um tal projeto de lei federal 220 de 2010:
"Altera a Lei nº 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional) para permitir a admissão de docentes, portadores de diploma de graduação, para atuação nas áreas de tecnologia e de infra-estrutura, desde que comprovem relevante experiência profissional na forma do regulamento previsto."
Ora, esse tal projeto de lei 220 poderia vir a acabar com a “reserva de mercado” à carreira acadêmica em um ramo onde a mistura com a prática é fundamental. O vice-diretor propunha deixar tudo como estava! E conseguiu! O tal projeto de lei foi rejeitado e arquivado!
Logo o vice-diretor da gloriosa Politécnica da USP, ninho de tantos engenheiros brasileiros excepcionais, apequenando nossas escolas de engenharia.
Os "engenheiros da ativa”, conhecem bem as escolas de engenharia brasileiras, estatais ou não, pois recebem a mão de obra egressa das universidades onde, na prática, só MS.C. (com mestrado) e Ph.D. (com doutorado) lecionam.
Como consequência, o que se vê, cada vez mais, são profissionais egressos dessas escolas, sem noção prática de engenharia, instruídos por professores “criados em cativeiro”, portanto sem experiência prática.
Só esse apodo “criados em cativeiro”, linguajar frequente no meio, já ironiza e diz bem do que se trata. São professores, restritos à vida acadêmica, pela exigência de dedicação exclusiva e pela necessidade de produzir trabalhos e mais trabalhos que precisam ser burocraticamente publicados para que os autores possam ser promovidos dentro das estruturas em vigor.
É uma verdadeira reedição do "arte pela arte", em que professores, muitas vezes arrogantes, cheios de si, alimentam preconceitos e montam esquemas em que se isolam (ou se escondem) atrás de uma pseudo-autonomia universitária, e não conseguem mais enxergar que, ao invés de formar engenheiros, só conseguem formar professores de uma engenharia teórica e / ou voltada para "passar em concursos".
Os que querem ser engenheiros de fato, precisam buscar estágios em empresas de engenharia, fábricas, fazendas, obras, enfim, estendendo seu período de formação para 7 a 10 anos, sendo que, há 50 anos bastavam 4 a 5 anos. Com isso se onerando e, portanto, onerando a sociedade, desnecessariamente. Pior, transferindo a vanguarda, que tivemos, para outros países.
Por outro lado, embora se entenda que cabe às universidades preparar profissionais para o mercado de trabalho, as escolas de engenharia brasileiras estão correndo o risco de se tornarem um fim em si mesmo, se retroalimentando. Parece que, cada vez mais, o objetivo é formar um professor que vai se juntar ou substituir os já existentes, buscando empregos e mais nada.
Consequência ou não, resulta que esse arranjo, mercenário ou não, fez brotar nas escolas de engenharia escritórios internos de consultoria, que acabam competindo pelo mercado de trabalho dos que se formam e querem ir para fora da caixinha. Pior, em contratos arranjados por confrarias sob pretextos mil, com isso monopolizando os imprescindíveis teóricos, e prejudicando as empresas e a consultoria de vanguarda. E não nos venham com as exceções de sempre, mais de cunho individual do que de unidades ou escolas. Exceções só servem para confirmar regras.
A discussão sobre a legislação existente, desenvolvida nos governos militares (1964-1989), deveria estar centrada em quantos por cento de professores precisam ter "mestrado" e/ou "doutorado" e não na obrigatoriedade de possuir esses títulos.
Um caminho seria mudar as leis de forma que a composição do quadro de professores de engenharia (e outras profissões tais como médicos, químicos, farmacêuticos, arquitetos, etc.), não seja só teórica ou de laboratório.
Por exemplo, criar três “categorias” (cotas?) de professores:
· 1/3 dos professores, composto por acadêmicos de tempo integral (dedicação exclusiva), pessoal fixo (com estabilidade) e com liberdade para usar até 20% de seu tempo em trabalhos junto às empresas de engenharia;
· 1/3 de professores de tempo integral ou quase, composto por profissionais de destaque no ramo, com contratos por tempo determinado com as escolas por 5 a 10 anos, com liberdade de usar até 15% de seu tempo em trabalhos junto às empresas de engenharia.
· 1/3 dos professores composto por profissionais de destaque no ramo, com contrato de trabalho, que teriam 4 a 6 horas por semana para lecionar nos cursos de engenharia por 5 a 10 anos.
A primeira categoria (cota) seguiria com os requisitos vigentes. As categorias (cotas) 2 e 3 seriam compostas com pessoal selecionado de forma transparente em processos administrados por bancas de indicação, seleção e convite (não concursos), bancas compostas por representantes das entidades profissionais e participação de pessoal do meio acadêmico, sendo que 60% de cada banca preenchida por formados em outra escola que não a que vai lecionar, talvez até de outro estado, para minimizar as "confrarias" e nepotismos, diretos ou cruzados.
E não estamos reinventando a roda pois consta que, outros países montaram processos de seleção de professores semelhantes ao aqui proposto com grande sucesso.
Há 50, 60 anos, no primeiro dia de aula, nas escolas de engenharia, era tradição que algum professor escrevesse no quadro negro esta equação:
engenharia = física + matemática + bom senso (hoje acrescentaria + bioquímica),
como, matematicamente dá no mesmo, em seguida algum aluno ia lá no quadro e escrevia:
engenharia – bom senso = física + matemática
parecia piada, mas é a pura verdade. O bom senso, só se aprende na prática.
No trato deste assunto, do tal projeto de lei, parece que faltou bom senso e amor à profissão. Prevaleceram interesses pessoais e posições corporativas. O assunto é importante e pode ser um "sinal de avanço", se tratado de forma menos egoísta e mais altruísta.
Seria muito bom para a engenharia brasileira e para o Brasil.
Miguel Fernández y Fernández, engenheiro civil
Presidente da AQUACON Engenharia,
formado na EE da UFRJ em 1970, professor no curso de engenharia civil da PUC-Rio durante 4 anos, ex engenheiro titular da SABESP e da MONTREAL-IESA.
Membro da Academia Nacional de Engenharia (cadeira 101), sócio do IE - Instituto de Engenharia (desde 1971) diretor do IE para o Rio de Janeiro.

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