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Questão de formato

  • Foto do escritor: Miguel Fernández
    Miguel Fernández
  • 31 de jul. de 2019
  • 4 min de leitura

Atualizado: 24 de nov. de 2023

Corriam os anos de 1984 e 1985. A SANEAGO contratara projeto completo do sistema de adução, reservação e macro-distribuição de água potável de Goiânia, com horizonte para população da ordem de 2.750.000 habitantes. Coisa grande.


A SANEAGO pediu que o projeto dos reservatórios fosse padronizado e modulado para ser adotado em todo o estado. Deveriam ser em concreto armado (protendido ou não). Já que seriam muitos e grandes reservatórios e para todo o estado, resolveu-se caprichar e comparar os custos de reservatórios circulares (cilíndricos) com reservatórios retangulares (paralelepípedos) e diferentes relações área em planta x altura (profundidade) para um mesmo volume, buscando uma profundidade econômica e padronizar a entrada-e-saída por um só tubo rente ao fundo usando válvulas ditas “de altitude” o que era uma “ousadia” no Brasil (verdadeira tese de doutorado).


É sabido que para uma altura fixa e um mesmo volume, o cilindro dá menos área logo menos concreto que o paralelepípedo, entretanto além de o custo da “fôrma” cilíndrica ser mais cara que a “fôrma” plana, normalmente o arranjo no terreno e a divisão em câmeras (pelo menos duas) favorece o partido dos paralelepípedos. Após muitas contas e argumentação chegou-se à conclusão que o mais econômico e mais prático, não só pelo custo de implantação mas pela manutenção e implantação em etapas seria usar “fôrmas” planas com paredes verticais contraventadas pela laje de fundo e por vigamento em malha junto à laje de cobertura, sem paredes comuns nem de espera para ampliações. Ou seja, dois paralelepípedos afastados (para facilitar a construção, a manutenção e reparos, além de permitir operar uma câmara em caso de problemas na outra). Registre-se que o número de reservatórios de concreto construídos por aí e que nunca foram usados por apresentarem problemas de vazamento ao encher é considerável e essas preocupações muito válidas.


O assunto provocou grande interesse dos envolvidos tanto pela equipe projetista quanto pela SANEAGO. Lá pelas tantas, o excelente arquiteto Luiz Alberto C C Silva, que dava suporte à equipe, sugeriu que os reservatórios “elevados” deveriam ser um “totem” que identificasse a SANEAGO. Acho que foi a primeira vez que ouvi esse nome com essa aplicação (obelisco, monumento). Sugeriu também um formato prismático com pernas (secção hexagonal ou octogonal, inspirando-se em um reservatório elevado então recém construído no Rio por uma indústria, na Avenida Brasil na altura do nº 49.800 (ainda está lá). O Luiz disse que gostou pois dava um “movimento” à estrutura à medida que o observador se deslocava olhando para ele. Arquiteto explicando lembra enólogo descrevendo vinho...


Imediatamente nos ocorreu que os grandes reservatórios, “apoiados”, também poderiam ser prismas hexagonais, e arrumados como uma colmeia no terreno. Era uma situação intermediária entre o retângulo e o círculo, de certa forma inédita, e serviria de identidade visual para a SANEAGO.


Eureka! Conseguimos o apoio da SANEAGO (que grupo extraordinário se reuniu nesse trabalho: José Ubaldo, Manoel Inácio, Wilemy Paiva, Rivaldo Fleury, Francisco Humberto, Ricardo Correa, Nilo Nassar, Marcus Grael, Ibrahim Lasmar, M Célia Moscoso, Affonso Accioly e outros que já não me lembro), e partimos para essa solução.


Mas o que me fez recordar o assunto e escrever estas linhas foi a “audiência pública” (na época tinha outros nomes) para divulgação e aprovação pela sociedade.

A SANEAGO convocou os interessados, urbanistas, calculistas, professores, construtores, estudantes e aposentados, curiosos, políticos, imprensa, rádio, televisão, enfim, auditório cheio.


Começamos a apresentar o trabalho desenvolvido por cerca de 18 meses: slides, retroprojetor, quadro negro, enfim, os recursos da época. Manchas urbanas, distribuição do consumo previsto para os próximos 20 a 30 anos, setorização, zonas de pressão (ninguém diz mas Goiânia e arredores tem cerca de 300 metros de desnível entre o ponto mais baixo e o mais alto e amplitudes térmicas diárias até 40º C), macro malha de tubos, casas de bombas, telemedição, telecomando e, finalmente, nosso orgulho: os reservatórios hexagonais em maquete e em desenho bico-de-pena.


Abertas as perguntas e comentários, após os elogios de praxe, um colega, creio que professor de concreto da Universidade Federal de Goiás, espaçoso, com empostação de voz de “camelô”, começou a implicar com os reservatórios hexagonais: _onde tínhamos visto aquilo? _onde mais existiam? _que aquilo era uma invenção despropositada, e por aí ia.


Confesso que fiquei irritadíssimo com a argumentação tupiniquim: _quer dizer que se tivesse copiado de algum lugar que o subdesenvolvido julgasse habitado por uma raça superior podia? Criatividade própria nacional não pode?


O debate encrencou. Ficamos hostis e o professor tinha sua “claque” era bom orador, eu tinha que me conter pois não se briga com a platéia. Para desespero do pessoal da SANEAGO e de nossa equipe, estávamos perdendo o controle do auditório e vendo que voltaríamos aos cilindros ou paralelepípedos quando nos ocorreu uma idéia:


_ Professor, entendemos sua preocupação com uma coisa inédita. Mas aqui é a terra de Anhangüera, que botou fogo na água e assustou os índios para que lhe mostrassem onde estavam as esmeraldas e o ouro. Todos conhecem Goiás com a terra das esmeraldas. A esmeralda é um berilo. Os berilos são cristais hexagonais...


Silêncio total e longo. Tínhamos ido muito longe no bate-boca para voltar atrás sem ferir os egos. Mas ficou claro que, inesperadamente, o argumento das esmeraldas, não técnico e não previsto, tinha vencido. O presidente da mesa aproveitou o momento de silêncio e disse algo assim: _bom, não havendo mais comentários, dou por aprovado o trabalho.


Ninguém protestou.


Diversos reservatórios assim projetados foram construídos em Goiânia e prestam excelente serviço há mais de 30 anos. Até hoje Fica o registro.

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