1978, a moça, mineira, funcionária do Banco do Brasil, morava no Rio, em apartamento recém alugado, na rua Ipiranga, esquina com a Conde de Baependi.
Um edifício arredondado, sobre pilotís, com grades no perímetro da rua, em Laranjeiras, seriam umas 20horas e ela já estava no térreo aguardando a chegada do namorado, trocando ideias com o porteiro e uma outra moradora.
O VW modelo brasília laranja chega, joga as duas rodas da esquerda na calçada, como era praxe no Rio de então. O porteiro abre a porta da grade, a moça sai, contorna o carro pela frente, entra e se senta no banco do carona. Os dois torcem o corpo um para o outro e aproximam os rostos para o beijinho de praxe.
Quando o rapaz volta o corpo para a frente e põe as duas mãos no volante, sente algo cutucar seu pescoço pelo lado esquerdo através da janela do carro. Volta-se para ver o que era e vê uma garrucha cano duplo com os cãos puxados, que lhe era mostrada, e imediatamente volta para o seu pescoço. Numa rápida avaliação da situação com seu olhar periférico (o serviço militar serviu para essas coisas) eram dois assaltantes, enquanto um rendia o porteiro e a jovem que trabalhava no prédio o outro lhe dizia:
_ Passem as joias.
O rapaz só tinha um relógio Omega Seamaster, comprado em 1965 na fábrica da Omega, na Suíça. Trazido pelos pais de uma viagem à Europa em excursão pela Meliá, que se permitiram. Entregou. Com muita tristeza, mas entregou.
_ A carteira! Também entregou.
E a garrucha cano duplo encostada no pescoço...
_ “Essa porra com os cãos puxados vai disparar sem querer!”
O assaltante então se dirige à moça que, nervosa, embora sem a garrucha no pescoço, demora a tirar os brincos e a pulseira.
O outro assaltante, controlava o entorno, aparentemente com um revólver 22 e que parecia ter ascendência sobre o da garrucha, se impacienta com a demora e grita com a moça: não quero bijuteria não, dá logo a aliança.
E a moça, “subindo nas tamancas”:
_ Isso não é bijuteria não, moço!
E o cano duplo no pescoço do rapaz começou a tremer junto com o próprio rapaz. Ambos estavam rindo da situação. Ambos não, todos, menos a moça, ainda indignada com a afronta.
Aliança entregue, junto com as demais joias, os dois assaltantes saem caminhando apressados, mas não muito, pela contramão na direção da rua das Laranjeiras.
Foram-se os anéis, ficaram o pescoço e as vaidades.
Casaram-se, tiveram muitos filhos e não viveram felizes para sempre.
Miguel Fernández y Fernández, engenheiro e cronista-narrador (os fatos são reais)
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