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Foto do escritorMiguel Fernández

E depois?

Atualizado: 29 de out. de 2024

Sempre que passa no cruzamento da Rua Gomes Freire com a Rua da Relação lembra desse episódio, verdadeiro, havido por volta de 1977, esquecido na crônica da cidade, que o impressionou a ponto de contar e recontar a estória e filosofar.

Esse cruzamento fica no centro do Rio, na borda do que se convencionou chamar de Lapa. As duas ruas se cruzam em ângulo reto. Numa das esquinas é a chefatura da polícia civil do Estado, com a delegacia do bairro, noutra um hotel modesto e simpático, tipo 2 estrelas, hoje chamado Carioca.

Até recentemente, o nome desse hotel era “Marialva”. Um edifício não muito antigo (anos 1955 a 1965?), uns 10 andares, a entrada, na esquina, ou seja, perpendicular à bissetriz das duas ruas, onde o arquiteto cuidou para que o edifício tivesse um trecho reto e esconso, fazendo ângulo de 45°, tanto no prédio, quanto na calçada, formando um bom recuo em relação ao canto da esquina e os carros pudessem parar para recolher ou deixar passageiros sem incomodar muito o trânsito.

Para melhorar o conforto dos passageiros “chegantes” ou “saíntes”, instalaram ali um toldo de lona na frente da portaria, que ia até uns 3 metros além do meio fio, cobrindo o carro e protegendo o pessoal da chuva e do sol.

Tudo isso porque, naquela época, um cidadão, com cerca de 50 anos de idade, ali se hospedou, num 8º ou 9º andar, aparentemente, cansado de viver, aborrecido com a vida, hoje diríamos, deprimido.

Tomou um vidro inteiro de comprimidos com a intenção de dar fim à vida, deitou e esperou morrer, discretamente. Uma boa pessoa! Tanto que optou pelo suicídio sem estardalhaço, sem se enforcar no lustre da sala na frente dos pais, ou se atirar pela janela na frente da parceira, nem dar um tiro na cabeça na frente dos filhos.

Lá pelas tantas, deu-se conta de que a demora para apagar estava ficando grande demais. Homem racional, preocupou-se em que a dose não fosse suficiente para matar, já que, só para “apagar”, demorava tanto.

Então, resolveu acelerar a morte: socou o espelho que o olhava e, com um caco do vidro, cortou os dois pulsos.  Foi uma atitude precipitada. Nunca gostara de ver sangue, até deixara de fazer o curso de medicina por esse motivo. Assustou-se com o sangue e, para abreviar a morte, atirou-se da janela do apartamento, da esquina do hotel Marialva.

Caiu sobre o tal do toldo, que amorteceu a queda e o jogou sobre a capota de um carro ali parado. Ninguém entendeu nada do que havia acontecido, mas na porta da Polícia Civil e da delegacia do bairro, o socorro foi competente e imediato, tendo sido conduzido ao hospital Souza Aguiar, ali perto referência em emergências desse tipo.

Lavaram seu intestino, fecharam os cortes nos pulsos e cuidaram de duas pequenas fraturas, uma numa costela e outra no braço direito. Foi assunto dos jornais por 48 horas. Foi sorte ou foi azar? Afinal ele queria morrer. Ficava demonstrado na prática que nada que ele queria fazer dava certo.

Sempre que passa ali fica pensando: e depois? que fim terá levado o sujeito? Desistiu? Perseverou?

 

Miguel Fernández y Fernández

Engenheiro e cronista, Escrito em 22nov2023   (3.028 toques)



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