top of page
Buscar
  • Foto do escritorMiguel Fernández

E depois ?

Hoje passei na esquinas da Rua Gomes Freire com a Rua da Relação (trecho entre Chile e H.Valadares), no centro do Rio, na borda do que se convencionou chamar de Lapa. As duas ruas se cruzam em ângulo reto. Numa das esquinas é a chefatura da polícia civil do Estado do Rio com a delegacia do bairro, noutra um hotel modesto, hoje chamado Carioca. Sempre que passo ali me lembro deste episódio, verdadeiro, esquecido na crônica da cidade, mas que merece registro e reflexão.


Até recentemente, o nome desse hotel era “Marialva”. Um edifício simpático, com uns 10 andares, e a entrada, também simpática, exatamente na esquina, ou seja, na bissetriz das duas ruas, onde o arquiteto cuidou para que o edifício tivesse um trecho esconso, fazendo ângulo de 45°, tanto no prédio, quanto na calçada, formando um bom recuo em relação ao canto da esquina e os carros pudessem parar para recolher ou deixar passageiros sem incomodar muito o trânsito.


Para melhorar o conforto dos passageiros “chegantes” ou “saíntes”, instalaram ali um toldo de lona na frente da portaria, que ia até uns 3 metros além do meio fio, cobrindo o carro e protegendo o pessoal da chuva e do sol.


Creio que era por volta de 1977, quando um cidadão, com cerca de 50 anos de idade, ali se hospedou, num 8º ou 9º andar. Aparentemente cansado de viver, aborrecido com a vida, hoje diríamos, deprimido, tomou um vidro inteiro de comprimidos com a intenção de suicidar-se, dar fim à vida. Deitou e esperou morrer, “apagando”, discretamente. No meu entender, uma boa pessoa, tanto que optou pelo suicídio sem estardalhaço, sem se enforcar no lustre da sala na frente dos pais, ou se atirar pela janela na frente da parceira, nem dar um tiro na cabeça na frente dos filhos. Mas, começou a demorar para “apagar”.


Nosso personagem, lúcido que era, ficou preocupado em que a dose não fosse suficiente para matar pois, só para “apagar”, já demorava tanto. Então, resolveu acelerar a morte: socou o espelho que o olhava e, com um caco do vidro, cortou os dois pulsos.

Foi uma atitude precipitada. Nunca gostara de ver sangue, até deixara de fazer o curso de medicina por esse motivo. Assustou-se com o sangue e, para abreviar a morte, atirou-se da janela do apartamento, da esquina do hotel Marialva.


Caiu sobre o tal do toldo, que amorteceu a queda e o jogou sobre a capota de um carro ali parado. Ninguém entendeu nada do que havia acontecido, mas na porta da Policia Civil e da delegacia do bairro, o socorro foi competente e imediato, tendo sido conduzido ao hospital Souza Aguiar, ali perto referência em emergências desse tipo.


Lavaram seu intestino, fecharam os cortes nos pulsos e cuidaram de duas pequenas fraturas, uma na perna esquerda e outra no braço direito. Foi assunto dos jornais por 48 horas. Demonstrou-se então, que nada que o cidadão fazia dava certo. Foi sorte? Ou terá sido azar?


Hoje, mais uma vez fiquei pensando,


Que fim terá levado o sujeito? E depois?


Miguel Fernández y Fernández, Engenheiro e cronista

Escrito em 22nov2023 (2.915 toques)

56 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Unhas

Era 1988. Os voos do Ecuador para o Brasil (e vice-versa) eram pela VARIG, que pousava em Guayaquil, porto-cidade litorânea (ao nível do mar), em dias alternados, ou seja, dia-sim-dia-não.  Acho que o

Marraio

A última mulher? Nos jogos de bolinha de gude de sua infância de carioca nos idos 1955-61, dos 9 aos 14 anos, aprendeu que o último a lançar a bolinha na direção da búlica mais afastada (eram três bur

bottom of page