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  • Foto do escritorMiguel Fernández

In vino veritas

Atualizado: 24 de jan. de 2023

1962 (63?)_  In vino veritas

Carlos Lacerda, sobre militares e padres (escrito em 04dez2017)

Creio que foi num sábado à tarde, em 1963, 15-16hs.  

Com um grupo da JEC (Juventude Estudantil Católica?) do qual me aproximara, acabei no apartamento duplex na Praia do Flamengo em que Carlos Frederico Werneck de Lacerda morava.

Lacerda , como todos o conheciam, estava governador da Guanabara (estado que surgira do Distrito Federal ter sido transferido para Brasília em 1960 e correspondia exatamente ao que é hoje o município da Cidade do Rio de Janeiro).

Também era o líder da  oposição ao então governo João Goulart (que era sustentado pelas esquerdas, pelo peleguismo e pelos ditos clientelistas aproveitadores como diziam as más linguas)

Éramos uns oito, eu o mais jovem, 16 anos!  Os demais se conheciam e me exibiam como um troféu: o “cara” do Colégio de Aplicação! Do antro da esquerda! Afinal lá também havia vida inteligente!!! (eh, eh...).

E o Lacerda nos recebeu em roupão de casa, com um copo de uísque na mão e uns três ou quatro amigos ou assessores que eu não lembro bem mas as caras eram conhecidas dos jornais (dois eram muito jovens, o Rafael de Almeida Magalhães? o Mauro Magalhães?) .

O objetivo da visita, creio, era nos entusiasmar com a atividade política.

O “partido” do Lacerda era a UDN (União Democrática Nacional), então tido como um partido ideologicamente à direita do espectro dos demais partidos, com uma visão “liberal da economia”, “católico” e “militarista”.  E o Lacerda era uma liderança nacional, provável candidato a Presidente na eleição seguinte (1965)

Após apresentações de praxe, pelo Djalma(?) e pelo Poças(?) (ambos eram do colégio Santo Inácio e ambos vieram a fazer Engenharia no fundão acho que eram eles), sobre a gente estar ali para lutar pelo Brasil, pelos nossos ideais de liberdade, que o Lacerda contasse conosco, etc. etc.

Um dos assessores  falou sobre nos organizarmos que o mundo vivia uma polarização entre comunismo e capitalismo, entre democracia e totalitarismo, oriente e ocidente, etc, etc.

E o Lacerda tomando uísque.

Até que houve um momento, lá pelas 17hs, em que todos se calaram e se voltaram para o Lacerda, nessa altura já com meia garrafa de uísque turbinando o cérebro (mas sem arrastar a voz).

Vou tentar, resumindo, transcrever e documentar aqui o mais fielmente possível, e com minhas imprecisões, depois de mais de 55 anos um depoimento e um raciocínio que nunca esqueci e nunca mais ouvi ou li e que reputo de grande lucidez e lógica:


“.........vocês prestem muita atenção nos padres e nos militares.  Muito cuidado com eles.

Lembrem que o Vaticano é a capital de um Estado chamado Igreja Católica.  

Padres e militares são educados pelo estado, em seminários e em colégios militares.

Tornam-se funcionários do Estado, vivem em casas que não lhes pertencem, são transferidos de lugar conforme planejamentos ditos estratégicos, administram paróquias e quartéis que não lhes pertencem, não tem concorrentes (exercem um monopólio de área), não precisam dar lucro seguem disciplinas rígidas, semelhantes à do Partido Comunista  (que na verdade é ima igreja tendo o marxismo por religião), ascendem nas hierarquias concorrendo com um número muito restrito de pessoas “iniciadas”.  

Passam a vida cuidando de beatas (ou de ativistas) e de recrutas.  Quando chegam a Bispo ou a General, por tempo de serviço e adaptação à “nomenklatura”, ou seja, à burocracia, chegam achando que conhecem os grandes problemas do mundo.  

Não são comunistas não se sabe porque nem porque os comunistas não são militares ou membros de igrejas”.


Me assustei pois até então eu entendia que o Lacerda os militares e a igreja católica eram um conjunto harmônico.  Foi depois de um tempo que, pensando bem, tirando as exceções, concluí que é isso mesmo.

Anos mais tarde, quando via Golbery do Couto e Silva, nas sacristias da vida, se mancomunando com Glaubers Rochas, facções da esquerda e sindicalistas para fundar o PT, me lembrava dessa falação do Lacerda e hoje vejo quão premonitório ele foi.

Também aprendi como o uísque clareia a mente e libera a língua. Era o que Lacerda pensava mas só dizia na intimidade.  Até hoje sou Lacerdista e tomo meu uisquinho.

Grande Lacerda, a quem os cariocas tanto devem pela competência na administração.

Miguel Fernández y Fernández,   escrito em 2017

Engenheiro, cronista e liberal (autêntico)

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