Vade Mecum, parte 2 Maurice Assuf e Maquiavel
- Miguel Fernández

- há 17 horas
- 3 min de leitura
O professor Assuf, como a maioria se referia a êle, era um homem com postura altiva, sempre vestido com ternos impecáveis, incluindo o colete (por isso terno), lindas gravatas de seda, e um carro, único na cidade, talvez no país, um elegantérrimo “Bentley” inglês cinza metálico, com o volante do lado direito. Era um exemplo de que, um advogado, podia dar certo exercendo sua profissão no mercado. As más línguas diziam que herdara fortuna do pai, um imigrante libanês comerciante de tecidos, mas era evidente inveja de despeitados.
Suas aulas eram bem preparadas, bem apresentadas, não havia pergunta que ele não soubesse discorrer sobre o tema, com propriedade, clareza e brilho.
A cadeira de História do Direito Nacional (HDN) começava o curso com as origens do Direito Brasileiro: o “direito português”, com suas “Ordenações Filipinas”. E o “direito português” vinha do “direito romano” que tinha influências gregas. Por sua vez, o direito português sofreu fortes influências do direito árabe e do direito anglo-saxônico. Interessantíssimo.
Na aula sobre direito árabe, quando o professor explicava que, quase todas as palavras começadas com “al” têm essa origem, exemplificando com alvará, alforria, alfândega, alferes, algemas, uma colega interrompeu para falar “almôndega”. Conclusão, a turma inteira passou a conhecê-la só como “almôndega”. É possível que ninguém lembre do nome verdadeiro dela.
Outras coisas marcantes das aulas do Assuf é que começavam e terminavam nos horários estabelecidos, às 2as, 4as e 6as feiras. Ao terminar a aula ele se aproximava da porta e, com uma técnica impressionante, jogava o giz na “louza” (era assim que se chamava o quadro negro) de forma tal que o giz batia no quadro e caía no aparador de pó e apoio do apagador. Só quem já tentou fazer isso sabe como é difícil, o giz vai cair no chão a maioria das vezes. Como jogar a bola de basquete na cesta sem treinar. Não entra, só por acaso.
Bom, no curso de HDNacional, além de direito romano, árabe e anglo saxão, havia outros assuntos. Um deles era Maquiavel (Nicolai Machiavelli) que, em 1513, escreveu o mundialmente famoso livro “O Príncipe”, só editado, postumamente, em 1532. Tanto o livro, como Maquiavel, são controversos, com diversas citações famosas:
Ø “é melhor ser temido que amado”
Ø “os fins justificam os meios”
Ø “Deus não fará tudo, para não nos retirar o livre-arbítrio e a parte da glória que nos cabe.”
Ø “É também muito estimado o príncipe que age como verdadeiro amigo ou inimigo; isto é, que se declara sem reserva em favor de uns e contra outros, política que é sempre mais útil do que a da neutralidade”.
Na época, por causa do Golbery, e da fama de maquiavélico que amealhou, o assunto estava super-na-moda. Como, todos os anos, o Assuf dava uma semana de “Maquiavel”, naquele ano diversos ex-alunos resolveram assistir as aulas para reavivar o tema. Conclusão ao invés dos 40 alunos, havia mais outro tanto querendo assistir às aulas. Foi preciso passar a um auditório designado pela direção da Escola para essas 80 a 100 pessoas.
A semana foi um sucesso, não só pelo assunto, como pelo profundo conhecimento e interpretações filosóficas do Assuf, que em função do auditório ampliado, se esmerou ainda mais.
Na 6ª feira, ao terminar a última aula, o professor se aproximou da porta, jogou o giz, que caiu certinho no aparador, e saiu. A turma irrompeu em aplausos pela performance, das aulas e do giz.
O Assuf ouviu, voltou à sala, subiu no palquinho do auditório-sala-de-aula, gesticulou, como quem diz “_silêncio”, as palmas acabaram e o silêncio imperou. Após uns 5 segundos nesse silêncio (técnica de orador experiente), o Assuf falou:
_vejo que os alunos estão muito entusiasmados com Maquiavel e os maquiavélicos!
Pausa de oratória
_ mas lembrem-se, Maquiavel nunca passou de assessor.
E retirou-se sem dizer mais nada. A turma absorveu o recado, levou uns outros 5 segundos a reagir e reagiu com palmas em dobro. O Assuf deve ter ouvido nas escadarias do prédio e entrado no seu Bentley, com o ego satisfeito, para ir tomar seu merecido uisque 25 anos com a sensação do dever cumprido.
Comentários